domingo, 25 de abril de 2010

O corpo em cena


A voz precedida da zelosa elaboração mental corria sem constrangimentos pela sala. Percorria o espaço e buscava o encontro da lembrança com os desejos enquanto dialogava com a interlocutora. O dono da voz, Ronie Rodrigues, tentava reconstruir o trajeto que percorreu depois do exato momento que enveredou pelos caminhos da dança e do teatro.

A primeira imagem que ele atribuí como impulsionadora nesse processo de querer fazer algo chegou aos 13 anos. Os ouvidos atentos do pai, Antenor, não deixaram escapar uma cena que acontecia dentro do ônibus: duas meninas conversavam sobre o grupo de teatro do Colégio Estadual do Paraná, o Gruta. Antenor contou o que ouviu e era o que faltava para Ronie dar início à sua carreira artística.

O interesse em investigar as questões relativas ao teatro físico apareceu logo de início e foi experimentado primeiramente em 2002 no espetáculo Homem de papel e acrílico, de Michelle Siqueira. Ali aconteceu o inevitável. A inclinação para a dança se solidificou e se incorporou definitivamente no artista.

O gosto em pesquisar o teatro tendo o corpo como base da construção dramatúrgica permaneceu durante o curso de artes cênicas, que começou na Universidade de Londrina e foi concluído na Faculdade de Artes do Paraná.

No entremeio das atividades acadêmicas, Ronie participou como bolsista e residente na Casa Hoffmann - Centro de Estudos do Movimento. Lá, ele levou a fundo o seu trabalho autoral, que culminou no projeto Uma pequena urgência em dizer algo.

A investigação artística na dança também foi vivenciada durante os meses que ele esteve no CEM (centro em movimento), em Lisboa, Portugal. Ao mesmo tempo em que se ambientava novamente em Curitiba, Ronie transitava entre os vários estados corporais no espetáculo De maças e cigarros, de Gladis Tridapalli.

Hoje, com 25 anos, Ronie preenche os seus dias com sessões de psicanálise lacaniana, aulas de francês, acupuntura, corridas no Parque Barigui e ensaios com o grupo Obragem. No meio de tudo, ele ainda acumula a novidade de dirigir uma peça de teatro.

Um pequeno espaço líquido nasceu como projeto de conclusão de curso e chegou a fazer temporada na mostra Coletivo de pequenos conteúdos no último Festival de Curitiba. Aqui ele faz uma reflexão sobre os lugares que a dança e o teatro ocupam em sua vida.

O Estado: Para você, quais as diferenças e peculiaridades de trabalhar com teatro e dança?

Criar a partir do corpo e no corpo é algo que me move e que experimento trabalhando com dança e com teatro, mas é claro que são duas linguagens com suas especificidades, e mesmo numa criação em que essas linguagens se cruzam, os procedimentos e os caminhos para a criação são diferentes.

Não acho que pensar uma dramaturgia corporal seja algo exclusivo da dança contemporânea. Uma questão que me desperta interesse tanto na dança como no teatro é a idéia de um corpo que experiência e não que representa.

O Estado: O que te motiva no teatro?

O teatro é a maneira que encontro de discutir algumas questões que me inquietam. Acredito realmente na sua potência física e artística. Embora possa soar um pouco clichê pensar a arte como "agente transformador" é exatamente isso que me move a continuar criando.

Lembro de uma frase da Clarice Lispector que diz que quando ela escreve não quer mudar nada, mas sim tentar de alguma maneira desabrochar. Sei lá, talvez seja por aí...

O Estado: E a dança, que lugar ocupa em sua vida?

Não tenho uma resposta exata. O que acontece é que desde que voltei de Portugal sinto muita vontade de produzir e pensar a dança. Quando não estou dançando em nenhum projeto, faço aulas com profissionais que me interessam, para dessa forma satisfazer um pouco essa "vontade de dança".

Pensar a dança para mim é pensar em maneiras e formas de poder produzi-la. Para isso é necessário batalhar por editais, por parcerias, tentar por um lado, por outro...


O Estado: Como as duas atividades influenciam uma à outra?

As experiências dos trabalhos se inscrevem em mim, e as carrego em qualquer atividade que eu exerça. Não sei dizer o que influencia o quê. Não posso dizer também que são atividades que se complementam, pois nem sempre é isso que eu sinto. Talvez daqui uns 10 anos eu possa elaborar um pouco mais essa questão.

O Estado: Como foi a experiência de dirigir sua primeira peça, Um pequeno espaço líquido, resultado de trabalho de conclusão do curso de artes cênicas da FAP?

Foi muito importante porque pude rever meu papel como intérprete. Propor esse projeto foi essencial para refletir sobre as especificidades das funções dentro de um trabalho artístico.

Um pequeno espaço liquido só existiu a partir do encontro dos artistas: Talita Dallmann, Negra Silva e Lyncoln Diniz e também pela colaboração de Augustho Ribeiro, Clarissa Oliveira, Amábilis de Jesus e Luciana Barone.

O Estado: Que coisas o trabalho com o grupo Obragem traz para a sua experiência pessoal?

A Cia tem um papel extremamente importante no meu percurso artístico. É um espaço de troca e aprendizado enorme. Eu admiro muito os artistas integrantes. É uma companhia teatral realmente engajada na pesquisa de linguagem e no pensamento do corpo do ator.

O Estado: Quais os seus próximos planos?

Dar continuidade ao projeto Dossiê Büchner da Obragem, que integra diversas ações, entre elas uma montagem inédita prevista para final de agosto. Continuar parcerias de trabalho, como as que eu tenho com a artista Luciana Navarro, e com a artista da dança Gladis Tridapalli. No início de maio farei uma residência artística com os franceses: Guillaume Lauruol e Cathy Pollini, através do Prêmio Klauss Vianna de Dança.

por PAULA MELECH
foto ANDERSON TOZATO
originalmente publicada na edição impressa do jornal O Estado do Paraná

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