domingo, 18 de abril de 2010

O intérprete em estado puro


Há vozes que carregam em si a suavidade e a potência em estado puro, são pinceladas da alma na melodia das canções. A voz de Ney Matogrosso é mais do que um instrumento: nos invade sem ocupar um milímetro de silêncio ao redor.

Inovador, ele se despe da exuberância e assume um caráter mais intimista na interpretação das canções do seu novo álbum, Beijo bandido (EMI) hoje, às 21h, no Teatro Guaíra.

Ney não é somente um dos maiores intérpretes da música brasileira, não é apenas a inconfundível voz que marcou o experimentalismo do Secos & Molhados e entonou composições de Chico Buarque, Cartola e Tom Jobim. Ele também é um artista múltiplo que se reinventa a cada novo trabalho.

Depois da exuberância cênica de Inclassificáveis, o cantor sugere um contraponto à pegada roqueira e mergulha em uma atmosfera quase camerística. O título Beijo bandido, inspirado na letra de Invento (Vitor Ramil), dá o tom das intenções de Ney ao se aventurar em um projeto no qual a criteriosa seleção de repertório é sublinhada pela excelência vocal.

“O disco é compatível com o meu momento, é um disco de intérprete. Estou fazendo a minha interpretação com uma grande liberdade”, revela. O canto se afina com a formação de quarteto de cordas, com a qual Ney trabalha pela primeira vez. “É inovador. No início fiquei preocupado, mas perguntei ao Leandro Braga [direção musical], o que ele achava. Ele disse que poderíamos fazer de samba até rock com essa formação, apesar de não ser muito comum”.

A carga emocional permeia todas as canções e alcança o ápice em A cor do desejo (Junior Almeida/Ricardo Guima) e As ilhas (Astor Piazzolla/Geraldo Carneiro), retomada do compacto que acompanhava o primeiro álbum do cantor, de 1976.

Ney também visita o cancioneiro popular em músicas como Segredo (Herivelto Martins / Marino Pinto) e Tango para Tereza (Evaldo Gouveia / Jair Amorim). A vertente “mais pop” do disco está representada em Nada por mim (Herbert Vianna/Paula Toller) e Mulher sem razão (Cazuza / Dé / Bebel Gilberto).

A gravação de A distância, de Roberto e Erasmo Carlos, foi motivada depois que o cantor viu a versão em italiano da canção no filme de Luchino Visconti, Violência e paixão (1974). Além do repertório do disco, Ney canta Incinero (Zé Paulo Becker) e Da cor do pecado (Bororó).

O momento forte do show -onde a extensão vocal do intérprete é capaz de provocar arrepios - é alavancando pelas canções Bicho de sete cabeças (Geraldo Azevedo/Zé Ramalho/Renato Rocha), De cigarro em cigarro (Luiz Bonfá) e Invento (Vitor Ramil).

Menos performático, o cantor considera esse show o mais teatral de sua carreira. “Tem um formato de recital, onde o foco é na palavra”. Ney estará no palco com o mesmo figurino das fotos do encarte do disco, assinado pelo estilista Ocimar Versolato, responsável também pela direção artística do projeto gráfico do CD.

A estética sutil do show é completada com imagens dele projetadas em um telão ao fundo e nas laterais do palco. Ney divide o palco com Felipe Roseno (percussão), Leandro Braga (piano e direção musical), Lui Coimbra (cello e violão) e Ricardo Amado (violino e bandolim).

por PAULA MELECH
originalmente publicada no jornal O Estado do Paraná.

2 comentários:

  1. Escreve bem, hein, Paula? Também sou fã do Ney, mas ainda não tive o privilégio e o prazer de me deleitar com esse novo show. Estou esperando ele pintar por aqui em BH em julho próximo, aí sim, poderei desfrutar do mesmo prazer que você. Obrigado pelo "alcança o ápice em A cor do desejo", sou um dos autores, feliz da vida em ser gravado por um ídolo de infância!!
    Abraços,
    Ricardo Guima

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  2. oi Guima, o show foi maravilhoso mesmo, principalmente quando ele cantou "a cor do desejo", uma música muito linda, a que eu mais gosto no disco! um abraço, Paula.

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