terça-feira, 23 de novembro de 2010

O fato de fato


Gilson Fukushima foi quem teve a idéia: produzir um livro de partituras com arranjos originais do Grupo Fato. "Apesar dele ter saído do Fato, ele não saiu de Fato", brinca Ulisses Galetto, feliz por tornar concreta uma idéia que, até então, não havia passado pela cabeça dos outros integrantes Greice Torres, Zé Loureiro, Priscila Graciano, Daniel Fagundes e Sérgio Freire .

Agora, a representação mental do que seria reunir partituras de 20 músicas pinçadas nos cinco CDs do grupo, está materializada em Fato: da tamancalha ao sampler, que será lançado nesta semana em um show no Teatro Paiol.

No palco serão apresentadas dez músicas que integram o livro de partituras para depois acontecer o bate-papo, no formato de um pocket-show. Em um certo momento, conta Ulisses, eles até planejaram organizar um songbook, mas a intenção não foi concretizada.

Mas a ousadia de Gilson em pensar em algo de proporções maiores arrebatou o grupo: "Ele veio falando para não fazermos só um songbook, mas um livro de partituras com todos os arranjos completos. Topamos. Foi uma trabalheira, só para um louco genial como ele é", conta o músico.

O primeiro passo de Gilson, Ulisses e Greice foi pensar nas músicas que estariam no livro, obedecendo ao critério de terem sido compostas por autores de Curitiba. Isso não foi verdadeiramente um problema para eles, já que, dos 36 compositores que o grupo já gravou, 31 são da cidade, inclusive integrantes do Fato. Depois do show desta quarta-feira - onde serão apresentadas músicas inéditas - esse número vai subir para 42 compositores, sendo 35 da terrinha.

Norteados em contemplar todos os discos do grupo - Fato, Fogo mordido, Oquelatá Quelateje, Oquelatá ao vivo, Musicaprageada - as 20 músicas refletem a dinâmica e contemplam a trajetória musical do grupo desde a década de 90.

O livro não se limita a sintetizar os caminhos do Fato, mas revela o panorama de compositores paranaenses e autores próximos da cidade que contribuíram para a história da música feita aqui.O professor, poeta e cancionista Marcelo Sandmann entrou no universo do grupo - desde o primeiro ensaio até os dias atuais -para escrever o texto que introduz o livro.

Fato: da tamancalha ao sampler vem acompanhado de um CD com as faixas sonoras com as músicas do projeto e partituras relativas a cada instrumento empregado nos arranjos. A tamancalha, espécie de "sapateador" desenvolvido por Zé Loureiro, está entre os instrumentos ao lado de outros mais habituais como guitarra, latão, baixo e calota.

"Ficou um trabalho maravilhoso. Somos muito gratos a todos que participaram da nossa trajetória. O texto, as músicas e as partituras mostram nossa gratidão a essas pessoas únicas que fazem o mundo um pouco mais alegre", comemora Ulisses.

Movimento

Com dois novos integrantes, Daniel Fagundes e Sérgio Freire, o Fato mantém os ensaios semanais desde os primórdios. Agora, a atenção dos músicos se volta para o novo disco, a ser lançado em maio de 2011, e na elaboração de novos arranjos para músicas que serão apresentadas neste próximo show.

Entre as novidades, uma parceria com Edith de Camargo. "Ela ainda não sabe, mas fiz uma versão de uma música que ela gravou", conta Ulisses, que se inspirou na seguinte frase do poeta russo Vladimir Maiakóvski para compor Maçã: "Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz".

O disco novo será um apanhado do que foi registrado nos últimos dois anos no projeto Balaio de Fato (2008) com participações de Siba, Arthur de Faria, Antônio Saraiva e Maurício Pereira e no show de comemoração de 15 anos do Fato.

As gravações vão culminar em dois CDs que ficarão prontos dentro de seis meses. O primeiro DVD também será lançado de forma independente em 2011. Sempre atento ao movimento musical independente, Ulisses tem uma convicção: "a nossa produção artística é muito vigorosa".

A observação vem depois de 14 anos apresentando o programa de rádio Fora do eixo, com acervo de dois mil discos independentes ou de pequenos selos. O convite para fazer a pré-seleção do projeto Rumos Música 2010-2012 só reforçou essa certeza.

"Fico contente em ver tanta coisa boa sendo produzida". Ele aponta Luiz Felipe Leprevost, Alexandre França, Ricardo Corona e Marcelo Sandmann como artistas que tem se esforçado em arriscar uma nova linguagem em busca de propostas inovadoras.

Serviço

Grupo Fato
Lançamento do livro de partituras e show
Nesta quarta-feira, às 20h, no Teatro Paiol (Praça Guido Viaro -Prado Velho)
Informações: (41) 3213-1340
Entrada gratuita

publicada no jornal O Estado do Paraná
foto Marco Novack/Divulgação

Da internet para o palco


Tudo começou com uma mobilização de fãs na internet interessados sobretudo em celebrar os três anos da banda Nuvens. Amandio Galvão, Guilherme Scartezini, Marcos Nascimento, Marcus Pereira, e Raphael Moraes pensavam que o último Sarau nas Nuvens seria o show derradeiro, mas foram pegos de sobressalto com a movimentação espontânea de admiradores que se comunicavam virtualmente. A comemoração tomará forma hoje e amanhã, em um show mais intimista no palco do Espaço Cultural Falec.

Depois de shows no Teatro Sesc da Esquina e Guairinha, a banda não promete um “grande espetáculo”, mas um encontro afetuoso com o público. O desejo é retomar o repertório do primeiro disco e tocar quatro músicas inéditas do novo CD, Fome de vida, em um clima de cumplicidade.

Por isso eles consideram o momento um “rito de passagem” que inclui ainda a primeira atuação do novo guitarrista Guima. “Durante essa luta de trabalhar com arte, de estar nessa busca em transformar as coisas em uma realidade, é importante observar tudo o que a gente já fez e vai fazer”, diz Raphael, a voz da banda.

Amigos, parceiros e ex-integrantes da Nuvens também vão participar da comemoração. Luis Felipe Leprevost estará no palco em Cachecol, Luva e Gorro - uma analogia a Curitiba - música em parceria com Raphael que ainda não foi gravada. Vinicius Nisi e Luis Bourscheidt, que já estiveram na banda e Marano, da banda Das Velas também fazem participações no show.

Aura transcendental

Na busca pelo verso das coisas, os músicos querem explorar o ambiente mais intimista do teatro, vislumbrando o clima que deve predominar no próximo disco. “É um tipo de momento em que a poesia da canção é valorizada”, salienta o vocalista.

Nessa procura, a idéia é gravar as bases ao vivo para captar essa aura “transcendental”. A captação, que será feita neste show, ficou a cargo de Álvaro de Alencar, colaborador de Tom Capone e que já trabalhou com Maria Rita.

O processo criativo do novo trabalho inclui uma estadia de 15 dias em uma chácara em Campo Largo, onde será gravado o disco. Por enquanto, eles finalizam as canções e trabalham coletivamente nos arranjos. O show terá direção cênica de Edson Bueno.

A questão da dualidade com que o grupo se depara nesse novo trabalho está presente nos arranjos, que passam do minimalista ao “esporro”. As letras das músicas buscam explorar os universos humanos.

O próprio título escolhido para o novo trabalho, Fome de vida, mostra o que a banda quer comunicar. “O nome representa a vontade de fazer valer os momentos da existência. Ás vezes, com a rotina, a gente se robotiza e perde essa aura de viver as coisas de verdade”, reflete Raphael.

foto DANIEL CARON
publicada originalmente no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O cinema do futuro


Um dos maiores desafios do cinema nos dias de hoje é a transição da película para o suporte digital. A transformação não se resume à substituição de todo o aparato de projeção do circuito exibidor, mas se estende também à captação, e à distribuição - um dos fatores mais beneficiado com as mudanças. Mesmo com essa revolução no modo de fazer e de se assistir filmes, o assunto ainda carece de um debate mais aprofundado. O projeto Masterclass de Cinematografia Digital - que acontece essa semana - trará grandes nomes do mercado cinematográfico ao Teatro da Caixa para discutir como essa revolução vai influenciar os rumos do audiovisual.

O interesse é em tirar o tema do papel e promover um espaço onde o aprendizado e a troca de experiências são a tônica. As aulas serão ministradas por Carlos Ebert, Marlon Klug, Bruno Ravagnolli e Fernando Lui Latorre e o encerramento terá um debate sobre inovações tecnológicas na produção e distribuição audiovisual com participação especial do sócio-fundador e criador da Rain Network e da MovieMobz, Fabio Lima. A mediação será do documentarista e pesquisador Eduardo Baggio.

A distribuição é a questão

A transição digital no Brasil traz inúmeras vantagens, talvez a mais impactante em um primeiro momento seja o baixo custo de distribuição e a consequente democratização da exibição. Quando pensamos em filmes nacionais independentes fica fácil perceber que os valores inviabilizam qualquer possibilidade de exibição: uma cópia em película de um longa-metragem de 1h40 de duração custa cerca de R$ 6 mil. Para um lançamento médio, que inclui a exibição em mais ou menos 50 salas, seria necessário desembolsar nada menos que R$ 300 mil, valor impraticável para as produções com baixo orçamento - que somam a maioria no País.

Com a distribuição de dados em formato digital todo esse processo torna-se desnecessário, reduzindo drasticamente os custos de distribuição e levando os filmes para mais salas de exibição. Tais mudanças contribuem para uma maior valorização do cinema independente, aumentando as possibilidades de inserção de novos realizadores no mercado profissional. “A digitalização é o que existe para se pensar em um cinema possível, é a base para se ter condição de uma cinematografia mais democrática”, opina Eduardo Baggio.

O documentarista acredita que o digital possibilita uma melhora na relação entre produção e exibição: hoje, do total de longas-metragens produzidos no País, apenas metade chega às salas de cinema. “A gente produz mais do que distribuí. O descompasso está aí. Claro que há outras questões envolvidas nesse processo, mas inicialmente o problema é fazer os filmes chegarem às salas”.

Entretanto, a distribuição é uma questão ainda pendente, já que a grande maioria das salas ainda não está equipada com projetores digitais. “Ainda não demos esse passo por falta de investimento”, reconhece o fotógrafo e operador de câmera Bruno Ravagnolli, o “Coroinha”, que completa: “Mas em pouco espaço de tempo vamos caminhar para isso. Acredito que em menos de dez anos 60% a 80% das salas devem ser digitais”. Para ele - que virá a Curitiba falar sobre tecnologia de captação - a tendência de crescimento dos filmes 3D pode pressionar os exibidores a investirem no digital.

Uma boa imagem

A projeção em digital é um ponto que ainda gera polêmica entre cineastas, cinéfilos e estudiosos da sétima arte. Para alguns nada substitui a aura da película, mas para outros há um certo saudosismo em rechaçar essa nova possibilidade. Uma das vantagens do digital é que a imagem não perde qualidade conforme o filme vai sendo exibido, ou seja, a nitidez de um filme feito em 2007 e exibido em 2057 deverá ser a mesma. Já a qualidade do filme em película vai se desgastando conforme a quantidade de exibições.

Mas, na prática, qual será o resultado para o público? “O método da película ainda é superior, mas vivemos um momento que está chegando muito próximo do que é a película”, diz Ravagnolli. Baggio atenta para o fato de ainda existirem diferenças estéticas entre salas com aparato digital e analógico. “Isso acontece também porque, para baratear os custos, muitos exibidores optam por projetores de baixa qualidade. Aí a imagem fica pior em digital”.

Mas com todos os pontos favoráveis ou contrários, a certeza é que o cinema muda no quesito tecnológico e não nas questões primordiais do cinema, ao contrário, gera novas possibilidades criativas só possíveis com o digital. Talvez o principal seja baratear custos e gerar mais oportunidades para a democratização do audiovisual e, como defende Ravagnolli “ajudar na educação e na cultura do País”.

Serviço

Masterclass de Cinematografia Digital. De 16 a 18 de novembro, no Teatro da Caixa (Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro, Curitiba). Horários: terça a quinta, 15h e 19h. Ingressos: R$10. Bilheteria: (41) 2118-5111 (de terça a sexta, das 12 às 19h, sábado e domingo, das 16 às 19h) www.caixa.gov.br/caixacultural.

publicado originalmente no jornal O Estado do Paraná.