sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Uma viagem pelo imaginário grego


Há dois anos, desde que foi convidado por Nena Inoue para dirigir uma leitura do texto Metaformose - Uma viagem pelo imaginário grego, de Paulo Leminski, o diretor Edson Bueno vem atravessando os dias movido pela vontade em levar a obra aos palcos.

O que o atraiu foi a idéia dinâmica de mutação e a aproximação com a experiência individual de cada um que Leminski procura recortar em sua fabulação dos mitos gregos.

Transportado para o palco, a montagem recebeu o título Metaformose Leminski: reflexões de um herói que não quer virar pedra, acrescentando mais um capítulo a uma trajetória onde os grandes escritores, mais do que venerados em suas formas originais, ganham novas leituras. A estréia é nesta quarta-feira, no Guairinha.

Durante os ensaios, sentimentos e experiências dos atores foram colocados em contato com a literatura de Leminski e com os mitos representados na montagem: Édipo, Medusa, Eco, Narciso e Afrodite.

Fugindo da lógica linear, a peça busca uma comunicação que transcenda o imediatismo do consciente para se inscrever nas camadas da imaginação. "A coisa que o Leminski mais valorizava é o que a mitologia nos dá como possibilidade de imaginação. A finalidade da mitologia é essa, a de abrir a imaginação", conta Edson Bueno.

Ele acredita que a proximidade com questões individuais inerentes a todos estabelece uma conexão proveitosa. "É uma reflexão sobre o impacto que a mitologia tem dentro na gente. Mesmo que a pessoa não conheça nada sobre o assunto, ela é movida por Édipo, Medusa, Miniaturo".

Processo criativo


A própria essência heterogênea do texto, revela o diretor, abriu caminhos para o processo mais colaborativo que ele já experimentou até então. "Seria pouco leminskiano eu montar o texto como estava na minha cabeça. Tinha que abrir a porta da percepção do elenco, pra que eles também se poetizassem, se manifestassem, abrissem o coração", diz o diretor.

Como toda a experiência nova, o processo onde todos participam da criação foi incorporado com maior ênfase pelos integrantes do Grupo Delírio neste trabalho. "Teve muito erro, teve muita batida de cara na porta, a gente foi e voltou muitas vezes. Muitas coisas propusemos e depois desistimos. O espetáculo sempre vai se transformando".

Resultante de um exercício de liberdade cênica, o trabalho foi concebido mantendo o foco na palavra. Na peça, a obra do poeta se configura em uma representação contemporânea sobre a mitologia.

"O que eu acho que tem de mais belo no Leminski é a sua literatura, a forma como ele escrevia, como ele trabalhava com as palavras. Elas não são só significados, são sons, sonoridade. A alma desse espetáculo é a palavra", salienta o encenador.

Grandes escritores

Nos últimos anos, o Grupo Delírio tem focado a seu trabalho tomando como base a palavra de grandes escritores como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe e Franz Kafka.

Há cinco anos, em Capitu -Memória editada - uma adaptação da obra Dom Casmurro de Machado de Assis - o diretor reconta a história machadiana através da ótica de Capitu, a personagem feminina do romance.

O escritor norte-americano Edgar Allan Poe foi representado no palco na montagem de Projeto poe: o corvo, em 2006. O poema O corvo e os contos O gato preto e A queda da casa de Usher serviram de base para a dramaturgia.

Em 2008, uma releitura do Oitavo poema do guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa resultou na peça Evangelho de São Mateus, marcada pela quebra da quarta-parede. O espetáculo coloca a criatura humana em primeiro plano enquanto rituais milenares como o de fazer o pão, comer e beber o vinho são celebrados.

No ano passado, o grupo se encontrou com o universo do escritor Franz Kafka na montagem Kafka - Escrever é um sono mais profundo do que a morte. A peça faz alusões a obras como O processo para adentrar na infância sombria e atormentada do pequeno Franz Kafka.

Serviço


Metaformose Leminski: reflexões de um herói que não quer virar pedra. De 15 a 26 de setembro, no Auditório Salvador de Ferrante -Guairinha (Rua Quinze de Novembro, s/n.º, Centro). De quarta-feira à sábado às 20h e domingo às 19h. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada).

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O ano de Angela Ro Ro


2010 foi um ano de dupla comemoração para Angela Ro Ro: aos 60 anos e 30 de carreira, ela renuncia os excessos envolvendo drogas e álcool e busca saúde, paz, amor e dinheiro "para fazer arte e amor a vida inteira". O seu canto sem artifícios, formado mais por instinto do que técnica, se alia à personalidade potente de uma das maiores cantoras e compositoras da música brasileira.

O primeiro álbum, intitulado Angela Ro Ro, veio em 1979 e já lhe rendeu o título de "a sensação do ano" em meio aos críticos da época. Ainda nesse ano, Maria Bethânia gravou sua composição Gota de sangue no LP Mel, a primeira a ser registrada por outro artista.

Dessas três décadas dedicadas à música, emergiram 11 discos -o último uma compilação ao vivo gravado em 2006 - e um DVD. Neles, estão registrados clássicos como Amor, meu grande amor (gravado também pelo Barão Vermelho), Não há cabeça e Raiado de amor.

O Estado do Paraná: Como foi trabalhar no período em que você estava no auge de sua crise, nos anos 80 e 90?

Angela Ro Ro: Passei por crises de obesidade, generosidade, paciência, luto de meus pais, parentes e amigos e a dor maior, que é a crise mundial que a todos pertencemos. Sou eu que estou respondendo, portanto, trabalhar em período de qualquer crise fica exposta uma dificuldade maior ao exercer seu ofício.

O Estado: Nesta época, como era a sua relação com as gravadoras?

Angela: Na década de 80, quando comecei a gravar meu trabalho musical aqui no Brasil, foi muito produtivo pois estava contratada pela Polygram, hoje Universal, o que me rendeu meia dúzia de discos, que desde o primeiro já havia me dado a sorte da consagração, público e crítica, como cantora e compositora de grande qualidade. E na década de 90 mesmo passando por dificuldades enormes pessoais, fiz um maravilhoso disco Nosso amor ao armagedon pela Som Livre, co produzido por mim e por Ezequiel Neves, tive a oportunidade de gravar várias faixas pela Lumiar, de Almir Chediak, para diversos SongBooks de Chico Buarque a Braguinha, inclusive tendo a honra de ser premiada pelo jornal Folha de São Paulo como melhor intérprete na música Futuros amantes de Chico Buarque. Assim foi....

O Estado: O Ruy Castro escreveu no livro Ela é carioca, que você estaria "no poder", se tivesse investido na música metade da energia investida em confusões. O que você acha das afirmações?

Angela: Adoro o Ruy Castro! Realmente passei minha mocidade sem me engajar na luta da ganância pelo poder. Mas é uma excelente idéia, agora que mais madura, reverter essa situação politicamente.

O Estado: Qual o melhor elogio e a pior crítica que já recebeu?

Angela: Minha mãe, Conceição, sempre me cobriu dos melhores elogios. Já que sou filha única, mamãe dizia que apesar de qualquer merda que eu fizesse em minha vida, deveria eternamente saber a pessoa maravilhosa e honesta que sou. A pior crítica deve ter sido qualquer elogio falso.

O Estado: O que te inspira a compor?

Angela: Qualquer coisa, sentimento, natureza.

O Estado: Quais das suas músicas você considera mais especiais. Por que?

Angela: Todas de uma certa forma são especiais, como um filho, mas é claro que existem Fogueiras, Gotas de sangue....

O Estado: Que formas de incentivo e investimento você acha que faltam no meio musical atualmente?

Angela: Grana em direção ao talento pois é sordidamente assistir a miséria de profissionais competentes, artistas, gênios.

O Estado: Você acabou de completar 30 anos de carreira. Como analisa a sua trajetória musical nesse período?

Angela: Sou uma pessoa agradecida pela vida ter me dado o dom do verso, reverso da dor da vida. É genial saber fabricar arte.

O Estado: Como foi ter sido convidada para apresentar o programa Escândalo, do Canal Brasil? O que essa experiência rendeu a você?

Angela: Foi um barato, o pessoal do Canal Brasil me acolheu e me ensinou muita coisa boa. Foi uma experiência única o programa Escândalo. Volto a qualquer hora......

O Estado: Quais foram as suas últimas descobertas musicais?

Angela: Quando fui convidada, por Marcelo Fróes, produtor aqui do Rio, para gravar o disco Mrs. Lennon, um CD só de cantoras com canções da Yoko Ono, descobri um lado surpreendente na composição das músicas da tão polêmica viúva de John Lennon.

O Estado: Que cantoras mais admira e porque?

Angela: Billie Holiday e Elza Soares pelas mesmas razões: a coragem, a humildade, a ousadia e o dom. Maria Bethânia, Gal Costa, Alaíde Costa, Alcione e Ana Carolina, pela beleza do canto, revolução comportamental, sensibilidade e inteligência.

O Estado: Quais os seus próximos planos?

Angela: Ter muita saúde, paz, amor e dinheiro para fazer arte e amor a vida inteira.

Publicado no jornal O Estado do Paraná.