quinta-feira, 15 de abril de 2010

A arte híbrida do coletivo Couve-Flor


O nome de legume parte de uma ideia de fractal, onde cada pedaço fala do todo e o todo fala de cada pedaço. No Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, a experiência individual de cada um dos sete artistas é colocada em contato criativo, convergindo para uma coletividade cada vez mais densa e multiforme.

Juntos desde 2005, Cândida Monte, Cristiane Bouger, Elisabete Finger, Gustavo Bitencourt, Michelle Moura, Neto Machado e Ricardo Marinelli criam um ambiente onde as trocas são bem-vindas e a investigação sobre a arte é constante.

O hibridismo de formatos é notável na atuação dos "couves": a dança contemporânea é permeada por questões das artes visuais, do teatro e da performance art. Outro ponto de interesse são as artes vivas, termo que sintetiza as artes que se estabelecem em uma relação presencial.

A porta verde com o número 266, na Rua Presidente Faria, indica o espaço onde tem se desenvolvido as atividades do coletivo. O Cafofo Couve-Flor é um espaço aberto a artistas independentes, propício para emergir as experimentações e o intercâmbio de idéias fora das instituições convencionais.

É lá, no Centro de Curitiba, que acontece o projeto Corpomeiolíngua Vol.2 que une exposição, performance, oficina e mesas redondas. A intenção é aproximar público, obra e artista e refletir sobre as conexões criativas que podem se instituir entre artes visuais, dança contemporânea e artes vivas.

Em nome do grupo, Gustavo Bitencourt recebeu a reportagem na varanda do Cafofo e falou sobre novas linguagens, ideias e ideais e o papel da arte e do artista do Couve-Flor.

O Estado do Paraná: Onde o Couve-Flor se localiza no cenário da dança contemporânea?

Gustavo Bitencourt - O Couve-Flor tem se relacionado com vários campos da arte, mas existe uma relação mais constante com a dança contemporânea e o teatro, em grande parte, devido aos nossos históricos profissionais. A maioria de nós têm formação em uma dessas áreas e um interesse particular pelo que estamos chamando de artes vivas.

Uma outra razão para essa aproximação mais específica com a dança é o fato de que, nesse campo, temos encontrado uma abertura considerável para a investigação, para a experimentação e para trabalhos e processos criativos que não se encaixam em outros lugares.

O Estado: Como aconteceu o encontro dos artistas que formam o coletivo?

GB - A maior parte de nós foi bolsista da Casa Hoffmann entre 2003 e 2004. Ser bolsista significava não apenas conhecer o pensamento dos vários artistas, teóricos e críticos.

A gente também assumiu um pouco a função de estabelecer um vínculo entre os trabalhos e os diversos tipos de pensamento que estavam se desenvolvendo na Casa e a arte produzida na cidade. No início de 2005, alguns desses artistas, que estavam começando a desenvolver um trabalho autoral, sentiram a necessidade de continuar sem esse vínculo institucional, buscando outros modos de criar, discutir a produção artística e se organizar. Foi desse jeito que a gente começou a se aproximar.

O Estado: Este ano, vocês foram contemplados com um edital de manutenção de grupos do Programa Petrobras Cultural de dois anos. Que ações pretendem realizar neste período?

GB - A função maior é possibilitar que a gente se mantenha vivo e trabalhando nesse período. A gente tem vivido, nesses últimos anos, basicamente com editais que financiam projetos de curta duração e, mesmo que algumas vezes com bastante esforço a gente tente estender essas criações e fazer com que elas reverberem por mais tempo, o fato é que o dinheiro costuma ter um destino específico, seja a produção de uma peça, de um evento, de uma série de eventos, de uma publicação, etc.

Esse projeto de manutenção agora prevê um processo de criação que vai se desenvolver ao longo desses dois anos, na primeira etapa com a participação de artistas que viriam a Curitiba não só para trabalhar conosco, mas também para compartilhar esse trabalho com a comunidade artística.

Na segunda etapa, para produzir e fazer circular o que surgir desse processo criativo. O que muda é que, ao invés de tentar viabilizar cada ação separadamente, a gente pode ter um plano de trabalho.

O Estado: O que muda no trabalho do Couve-Flor com este patrocínio?

GB - Me parece que isso nos dá uma certa segurança para continuar o trabalho que já estamos fazendo, sem o desespero das entressafras. O fato é que, mesmo quando não estamos desenvolvendo nenhum projeto financiado, continuamos pagando as nossas contas, não só as pessoais, como as coletivas, por causa da manutenção do Cafofo.

A grande vantagem de um edital de manutenção é levar em consideração necessidades como essa e permitir que a gente possa fazer um planejamento de vida por um período mais longo.

O Estado: Vocês citam o termo "artes vivas" como uma forma de arte que se estabelece em uma relação presencial. Podem explicar melhor do que se trata?

GB - Esse termo está também ocupando um lugar provisório, para tentar tampar o buraco que fica quando temos que explicar que tipo de trabalho fazemos. É sempre complicado quando alguém pergunta se a gente trabalha com teatro, ou dança, ou performance, porque na verdade os nossos interesses passeiam por tudo isso.

Quando falamos em artes vivas, estamos emprestando um pouco o sentido do que os franceses chamam de "arts vivants", se referindo às "artes do espetáculo" e também um pouco da ideia de "live art", um termo que tem sido usado no mundo todo, para tentar englobar todos esses trabalhos em que o acontecimento, o evento presente, é o mais importante.

O Estado: De que maneira as outras linguagens artísticas dialogam com o trabalho do coletivo?

GB - Acho que dá para dizer que a gente parte das artes vivas para tentar entender e se relacionar com as outras formas de fazer arte. E não só arte, mas também diversas outras áreas do conhecimento.

A gente tem sempre buscado o olhar de pessoas diferentes sobre essas questões que nos motivam, e é engraçado observar que perguntas muito semelhantes são feitas por gente que vem do teatro, da fotografia, da arquitetura, etc. Acho que isso tem enriquecido o nosso trabalho e fez com que cada um de nós, do seu jeito, começasse a se aventurar também em outras mídias.

Serviço

Para saber mais sobre os projetos do coletivo, o endereço é www.couve-flor.org.

por PAULA MELECH
foto ALESSANDRA HARO
originalmente publicada em 4.4.2010

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