quarta-feira, 14 de abril de 2010

A personificação de Macbeth


Daniel Dantas e Renata Sorrah alcançam o auge neste Macbeth revisitado: embora endosse a força da obra de William Shakespeare, o texto é tratado com uma linguagem direta - mas não menos poética - na tradução assinada por João Dantas em conjunto com o diretor Aderbal Freire-Filho.

Partindo de leituras de poesias e de diferentes traduções, esta visão da obra de Shakespeare resulta em uma encenação que sintoniza com o texto original e valoriza as metáforas da palavra.

A elegante representação de Freire-Filho se harmoniza com a mais curta e provavelmente uma das mais contundentes peças do dramaturgo inglês, que tem Daniel no papel-título e Renata como a manipuladora Lady Macbeth.

O espaço está livre para os atores trazerem à tona a discussão sempre atual entre poder e ambição, vingança e cobiça celebrada pela linguagem shakesperiana.

A concretização da montagem é a realização de um sonho antigo de Dantas: esse encantamento pelo dramaturgo contaminou o elenco, que se coloca transparente ao público em um trabalho essencialmente colaborativo. Daniel e Renata falaram à reportagem sobre a montagem que ocupa por dois dias o palco do Teatro Guaíra na Mostra 2010 do Festival de Curitiba.

O Estado: Porque escolheu montar esta equipe para a peça? Já tinha uma ideia de como gostaria que fosse a encenação?

Daniel: Montar uma equipe é sempre difícil. Nem sempre a gente consegue quem quer, porque as pessoas podem não estar disponíveis, não se interessarem, mil razões. Mas nesse caso, desde o começo demos uma sorte enorme.

Conseguimos o que queríamos, ou melhor. Eu, Maria Siman (produtora do espetáculo, que foi fundamental), Renata e Aderbal tínhamos uma coisa na cabeça, o tempo todo: formar um elenco e uma equipe de primeira. Formamos. Eu brinco sempre que todos eles são meu "dream team".

O Estado: Como foi a preparação e o processo de pesquisa do espetáculo?

Renata: Ler, ler e ler. Ler poesias. Ler poemas do próprio Shakespeare. Ler textos que escreveram sobre ele. E ler todas as traduções que já foram feitas. Depois, a entrega, os ensaios, as possibilidades, se livrar das idéias já concebidas sobre os personagens. Deixar a imaginação solta, livre.

Entender e sentir a linguagem densa e exuberante de Shakespeare. Não ter medo de tocar o fantástico e se entregar ao Aderbal (Freire-Filho) e aos meus colegas para juntos formarmos uma trupe.

O Estado: Como é pensado o trabalho de ator nesta peça?

Renata: Posso falar por mim, como foi o meu processo. Primeiro - Pânico, medo de enfrentar a Lady Macbeth. Depois, o deslumbramento pelo texto, pela poesia, pela genialidade de Shakespeare.

Tentei entrar num vácuo particular e a partir daí deixar um espaço vazio para construir a minha Lady Macbeth. Não ter idéias preconcebidas. Aprender e trocar com Aderbal (Freire-Filho) e meus colegas.

Os personagens de Shakespeare exigem uma grande energia mental, física e principalmente coragem. Poder experimentar tudo nos ensaios para depois fazer as escolhas.

Daniel: Todos os atores fazem mais de um papel, exceto Renata e eu, e todos nós fazemos alguma contra-regragem. A gente funciona meio como uma trupe, e cada um "veste" o personagem abertamente, na frente do público.

Um dos maiores elogios ao espetáculo foi de um diretor de teatro, que disse ter sentido claramente essa "vibe de grupo". É um dos meus orgulhos, na montagem.

O Estado: Como é circular com o trabalho e perceber as diferentes reações do público?

Renata: É muito enriquecedor viajar pelo Brasil levando um espetáculo. São platéias tão diferentes. Muitas vezes você faz descobertas sobre uma única frase pela reação da platéia e, se você tem essa diversidade de platéia, você aprende muito.

Por isso o teatro ganha do cinema e da televisão. O teatro precisa do ator, de um espaço e do espectador. A chegada do público é a complementação do processo. Um espetáculo acontece quando o ator e a platéia dividem pensamentos e emoções. E dividir essas emoções com as mais diferentes platéias é muito estimulante.

O Estado: Quais as similaridades e diferenças entre Macbeth e Lady Macbeth?

Renata: Ambos são ambiciosos. São arrogantes, obcecados pelo poder e mais tarde percebem a inutilidade do crime que praticaram. Lady Macbeth diferencia-se de Macbeth pela sua inabalável firmeza, coragem, auto-controle e firmeza nos seus propósitos.

Para ela não há distância entre vontade e ato. Já Macbeth hesita, tem medo, duvida. Isso tudo nas cenas iniciais. A partir de um ponto a evolução dos dois personagens muda.

Daniel: Eles são complementares, acho. Eles funcionam muito como casal. São complementares, mas não de um modo fixo, com papéis rígidos. Ele vacila, ela avança; ela teme, ele age; ele sofre, ela planeja.

Acho que os casais tendem a funcionar exatamente assim, e vão ficando parecidos nos diversos papéis. Macbeth e Lady Macbeth são dois personagens terrivelmente humanos, e humanamente terríveis.

O Estado: Como está sendo a experiência de trabalhar com Daniel Dantas?

Renata: Eu já tinha dividido Shakespeare com Daniel Dantas, quando fizemos juntos Noite de reis - uma comédia. Muito bom dividir agora com ele o casal mais apaixonado da tragédia. Daniel é um grande ator, de uma inteligência cênica rara. Estamos sempre vivos e entregues em cena. É um prazer trabalhar com ele.

O Estado: Como é trabalhar com Renata Sorrah?

Daniel: Já tínhamos estado numa mesma novela, muito tempo atrás. Minha primeira novela, na verdade. Mas não nos encontramos muito. E mesmo assim, eu tinha enorme simpatia por ela.

Quando fizemos o Noite de reis, há poucos anos, eu fiquei completamente encantado com ela. Além da atriz excepcional, Renata é das melhores pessoas que existem para se conviver.

por PAULA MELECH
foto NANA MORAES
originalmente publicada em 21.03.2010

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