domingo, 6 de fevereiro de 2011

A magia da verde e rosa


“Mangueira, teu cenário é uma beleza que a natureza criou”, o samba em exaltação à Estação Primeira de Mangueira traduz em versos musicais um sentimento difícil de explicar. A casa de Jamelão, Tia Zélia, Cartola, Alcione, Chico Buarque é grande: dentro dela cabem exaltados integrantes da escola, crianças que nasceram ao som do samba, moradores da comunidade e quem mais chegar.

Na fachada do grande barracão - colado ao pé do Morro da Mangueira, na zona norte do Rio de Janeiro - o verde e rosa marcam posição. A rua em frente é abrigo para dezenas de barraquinhas com os mais variados quitutes, que vão de cachorro quente a ovo em conserva. Em uma dela está lavrado: “Quem é do mar não enjoa”. Para estômagos fortes.

Mas, como diria Chico Buarque, entrar na Estação Primeira é como pisar em um chão de Esmeraldas. Ou como proclama o hino de exaltação composto por ele: “Todo mundo te conhece ao longe, pelo som dos seus tamborins e o rufar do seu tambor”. Chegou a Mangueira.

A dualidade de cores faz do cenário um complemento para a cortina do palco, na verdade uma enorme bandeira da escola. Um conjunto de samba embala o primeiro momento da noite.

Do camarote, Alcione cumprimenta fãs, bate papo com amigos, mas os olhos permanecem atentos à frente, miram o show. A paixão pela Mangueira é evidente: O rosa colore o vestido longo e duas rosas adornam os volumosos cabelos de Marrom.

Devagar, Alcione caminha em direção ao palco e canta um pedido: “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba pra gente sambar”. A outra é Meu ébano: “É! você é um negão de tirar o chapéu , não posso dar mole senão você créu!”.

Mesas de plástico organizadas simbolicamente em uma fila deixam livre o estratégico espaço ao centro da quadra. É lá que se dança. Ao redor, a maioria das cadeiras está vazia - uma em especial chama a atenção.

À frente, do lado direito do palco um senhor está sozinho, admirando. Ele aparenta a serenidade de quem se sente em casa. Olhando, calcula-se que o senhor usando chapéu tenha uns 80 e poucos anos. Às costas da camisa que ostenta as cores da Escola está designado: “Diretoria”.

Velha guarda. Aos seus lados e sua frente estão todos os passistas, uns dançam freneticamente enquanto outros posam para fotografias. Umas dez ou quinze pessoas pareciam turistas, que, como tal, ficavam maravilhados com tudo ali.

A certa altura percebe-se uma movimentação comum, deslocamento que ao mesmo tempo expande e internaliza. Da escada ao lado do palco descem mestre-sala e porta-bandeira, caminhando rumo ao meio do espaço.

Aquele senhor de chapéu levanta e acompanha, agora portando um apito no peito. Eles se unem aos outros integrantes da velha guarda, e também a passistas e sambistas do morro para abrir os trabalhos da noite.

No ápice, ouve-se o primeiro rufar dos tambores. Os passos movem-se sem se darem conta, tomados pela onda que emana de todos os lados. Na hora ninguém escapa: com a benção de Cartola e Jamelão a Bateria da Mangueira mostra porque veio ao mundo. A intensidade se multiplica no instante em que o telhado do barracão se abre, deixando à vista o céu cheio de estrelas.

É indispensável muito samba no pé e sangue na veia para acompanhar o intenso mover de corpos. A música guia uma catarse coletiva que capta todas as boas vibrações do mundo. Sem esperar o carnaval chegar, essa gente mostra que o samba é lá na Mangueira.

Publicado na última edição impressa do jornal O Estado do Paraná, no domingo dia 6.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Os sons do Brasil


Mônica Salmaso sempre gostou do mais elementar na música, aquilo que a faz explorar os mais diferentes aspectos da cultura brasileira. A cantora paulista caminha movida por essa paixão desde o primeiro disco, Afro-sambas (1995), em duo com o violonista Paulo Bellinati, relançado recentemente pela gravadora Biscoito Fino. De lá para cá, lançou seis discos, todos profundamente envolvidos com a musicalidade verde-e-amarela.

Agora, ao lado do pianista Nelson Ayres e do saxofonista e flautista Teco Cardoso, ela está em processo de construção do próximo disco, Alma lírica brasileira, que deve ficar pronto ainda no primeiro semestre deste ano.

Para os mais ansiosos em ouvir esse novo trabalho, há uma chance: hoje, amanhã e domingo, o trio sobe ao palco intimista do Teatro da Caixa para mais uma apresentação.

Não é pretensão dizer que a união de Mônica, Nelson e Teco (que vem desde 98) tem algo de especial. Algo que transcende os movimentos automáticos e cria uma ligação orgânica com a obra. Essa sensação se solidificou, ressalta a cantora, no disco que vai ser lançado. “A convivência musical muito intensa foi criando a identidade do grupo”.

Quando repassa como se manifestou a ideia que desembocou no projeto, Mônica lembra que o impulso emergiu a partir de Noites de gala, Samba na rua (2007). O CD recria composições de Chico Buarque, com participação do grupo Pau Brasil, do qual fazem parte Teco e Nelson.

Isso porque, em 2008, o grupo precisou fazer uma adaptação nos arranjos para o show, que seria levado a cabo por um trio e não mais pelo sexteto original que gravou o disco.

A maior parcela das músicas, inclusive, é dedicada a Chico, que se fará presente através de sucessos como Construção e três canções de O grande circo místico, compostas em conjunto com Edu Lobo para o Balé Teatro Guaíra. São elas Ciranda da bailarina, A história de Lily Braun e Beatriz. Para a cantora, este show fala muito do Brasil de maneira elegante, mas também divertida.

O repertório, define a cantora, é bem variado com vários estilos que convivem bem juntos. Estão no disco, por exemplo, Heitor Villa-Lobos, Paulo Vanzolini e Zé Miguel Wisnik.

Ela acha difícil comparar a outro álbum da carreira, mas pode-se dizer que ele tem a variedade do IaIá (2004), onde Dorival Caymmi convive harmonicamente com Tom Zé.

Com 22 anos de sua vida dedicadas à música, Mônica vivencia um bom momento da carreira. Para ela, o processo criativo que experimenta com este novo disco revela uma maior maturidade profissional. “Agora sinto mais prazer porque tenho mais segurança. Não estou tão preocupada em ser perfeita. Tudo está mais orgânico”.

A confiança adquirida ao longo dos anos trouxe a ela mais confiança tanto no palco quanto no estúdio. “Antes a tensão estava muito presente e até atrapalhava um pouco. Agora tenho o domínio da linguagem e está tudo mais divertido porque acontece mais naturalmente. É bem essa sensação que queremos mostrar no show”.

Serviço

Mônica Salmaso Trio. Hoje, amanhã, às 21h e domingo, às 19h. Teatro da Caixa. Rua Conselheiro Laurindo, 280. Ingressos a R$ 20, na bilheteria. Informações: 2118-5111.

Publicado originalmente no jornal O Estado do Paraná.

Originalidade sonora




Gentileza do Amor. Este é o sugestivo nome que partiu da união das bandas Gentileza e Do Amor para o show de hoje no Atacama, em Curitiba. O nome, conta Heitor Humberto, surgiu naturalmente graças à semelhança das palavras.

Agora, as duas se unem para exprimir na música a afetividade e a sensibilidade que as nomeiam. O combinado já havia sido experimentado em setembro do ano passado em São Paulo, onde foi muito bem recebido.

Por aqui eles também tocaram juntos, mas ainda sem essa nomenclatura. “O show foi maravilhoso, guardamos muitas boas lembranças”, recorda o baterista Marcelo Callado.

Os grupos surgiram em duas capitais bem diferentes: a Gentileza nasceu em Curitiba e a Do Amor no Rio de Janeiro. Mas o destino fez que desse encontro se revelasse muitas semelhanças, a começar pelos nomes.

“São nomes muito positivos”, ressalta Marcelo. Mas o principal está no fato das duas se guiarem movidas em fazer música sem se importar com horizontes comerciais.

Talvez por isso conseguiram conquistar um público carente de uma originalidade sonora, que vai na contra-corrente do que dita o mercado. As bandas unem pontas musicais aparentemente excludentes entre si.

Na Do Amor, o rock e ritmos brasileiros convivem harmonicamente. A Gentileza traz, de um lado o rock e de outro o samba, a valsa e música do leste europeu. Deste encontro surge a promessa de uma noite agitada com uma miscelânea musical que revela a versatilidade da nova música brasileira.

O repertório vai incluir canções que estão nos discos de estreia de ambas. A banda curitibana lançou o seu álbum em 2009 e já tem as músicas cantadas em coro nos shows.

O do Do Amor, lançado em 2010, esteve entre os melhores do ano de diversas publicações, como a revista Rolling Stone. Mas a noite também terá novidades: os dois grupos ainda vão tocar músicas inéditas.

Gentileza


A Gentileza é umas das bandas de maior destaque da cena musical curitibana e conta com um público fiel em todas as suas apresentações. A busca pela inovação e por novos horizontes sonoros sempre foram características do sexteto.

Assim como o Do Amor, os paranaenses também passeiam por vários estilos, costurando valsa, música caipira, rock, samba, bolero, sonoridades do leste europeu, entre outros.

Violino, concertina, cavaquinho, viola caipira, naipe de saxofone e trompete, além de baixo, bateria e guitarra são alguns dos 16 instrumentos tocados durante suas apresentações.

A banda é formada por Heitor Humberto (voz, guitarra, violino, cavaquinho), Emílio Mercuri (guitarra, viola caipira e voz), Garapa Perin (baixo, concertina e voz), Diogo Fernandes (bateria), Artur Lipori (trompete e guitarra) e Tetê Fontoura (saxofone e teclado).

Do Amor

Do Amor é uma banda parcialmente conhecida por muitos. Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo) integram a Banda Cê, que vem acompanhando Caetano Veloso há três anos. Gabriel Bubu é o baixista do Los Hermanos.

Formado há quatro anos, o grupo carioca acaba de lançar o seu festejado primeiro álbum. Produzido por Chico Neves (que já trabalhou com Lenine, Paralamas do Sucesso, O Rappa e Skank), o debute do quarteto traz 14 faixas que mostram um trabalho repleto de referências dos mais distintos e variados estilos.

A banda traz referências que vão do carimbó ao rock com a maior naturalidade, passando democraticamente pelo indie, axé, dub, guitarrada e heavy metal. Essa mistura sonora se revela uma grande festa e ganha força com músicas como Pepeu baixou em mim e Isso é carimbó.

Conheça as bandas

www.myspace.com/doamor
www.myspace.com/gentileza

Publicado originalmente no jornal O Estado do Paraná.