quarta-feira, 14 de abril de 2010

Um cineasta antenado com o mundo


Marcos Jorge é surpreendente. Ele escolheu o cinema com o desejo de unir todas as artes em um só lugar e acertou. O filme de estreia do diretor curitibano, Estômago (2007) reflete a delicadeza com que ele trata a linguagem cinematográfica que o consagrou como um dos mais importantes realizadores brasileiros.

Em um universo delimitado pela gastronomia, Estômago caiu nas graças do mundo. Vencedor de 36 prêmios nacionais e internacionais, o primeiro longa do diretor já foi exibido em 27 países e agrada a crítica e o público com o mesmo nível de intensidade.

Exageros à parte, Marcos está relativamente acostumado com as consagrações - tanto dirigindo filmes publicitários como no trabalho autoral. Seu primeiro curta-metragem, O encontro (2002), figura como um dos mais premiados do País. O segundo, Infinitamente maio (2003), recebeu 17 prêmios em festivais nacionais.

Na sala lotada de livros, discos e DVDs, Marcos recebeu a reportagem em seu apartamento no 15º andar de um prédio no centro de Curitiba.
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O Estado: Onde você se localiza no cenário da produção cinematográfica brasileira?

Marcos Jorge - É uma pergunta um pouco delicada, já que, na minha opinião, não cabe ao próprio artista se localizar no cenário onde atua, mas aos jornalistas e críticos que comentam e refletem sobre seu trabalho. A revista americana Variety, numa edição de 2008 saída logo depois do lançamento do Estômago no Brasil, listou o meu nome entre os dez novos cineastas brasileiros mais relevantes. O crítico Luiz Carlos Merten, do Estado de São Paulo, ao comentar o lançamento nacional do Estômago, escreveu, com certo exagero, que com este filme eu estava colocando o Paraná no mapa da produção cinematográfica brasileira. Exemplos assim me fizeram ser otimista sobre meu trabalho, é claro, mas acredito que os indicadores mais felizes foram os prêmios da Academia Brasileira de Cinema e da Associação dos Correspondentes Estrangeiros no Brasil (equivalentes brasileiros do Oscar e do Globo de Ouro) que me escolheram, ambos, como o melhor diretor do ano passado. Agora, se você quer mesmo a minha opinião, posso dizer onde "quero" me situar: quero fazer um cinema brasileiro antenado com o mundo.

OE: Como você analisa a cena da realização cinematográfica em Curitiba?

MJ - A cena cinematográfica curitibana (poderíamos dizer paranaense) é de uma incrível vitalidade, especialmente considerando-se o pouco estímulo existente no Estado para esta atividade. Temos vários diretores talentosos e batalhadores, e se poucos aparecem nacionalmente é porque a vitrine maior, a do longa-metragem, exige investimentos que nossos órgãos públicos e empresas privadas não têm sabido (ou desejado) realizar. Em âmbito municipal, os editais e a lei de incentivo conseguem fomentar a produção de curtas, no máximo, e não têm sequer um mecanismo mínimo de estímulo à produção do longa (como existe em São Paulo e em várias outras capitais). Para piorar, as estatais e empresas particulares sediadas no Paraná ignoram (com raríssimas exceções) quase completamente a produção local, preferindo confiar suas verbas de renúncia fiscal a produtoras do eixo Rio-São Paulo.

OE: Como foi a experiência do seu primeiro longa de ficção, Estômago, ter sido consagrado em diversos festivais de cinema no Brasil e no exterior?

MJ - A consagração em festivais é muito bacana, claro, e mas quanto ao Estômago devo dizer que o mais relevante para mim foi seu sucesso junto ao público. No Brasil, mesmo sem ter tido nenhuma verba de divulgação, alcançou um público amplo (e que agora vai crescer bastante pois o filme foi recentemente adquirido pela Rede Globo). Agora, no exterior o fenômeno foi muito maior. Em abril o filme será lançado em Portugal e, em maio, na França, completando quase três dezenas de países onde o filme foi lançado nos cinemas.

OE: Qual é a expectativa com o longa Corpos celestes, exibido no último Festival de Gramado?

MJ - A expectativa é a mesma do Estômago, não no sentido de que espero que ele tenha o mesmo sucesso, mas de que ele encontre seu público. E isso, acredite-me, não é fácil, exige trabalho e investimento.

OE: De que maneira o trabalho com publicidade influencia a linguagem de sua obra para o cinema?

MJ - O cinema publicitário é fundamental para minha vida profissional. Ele não só me permite viver dignamente de minha profissão de "diretor de filmes", como me mantém constantemente "treinado" para as tarefas de enquadrar, decupar, dirigir atores e tocar um set. Eu adoro filmar, e a publicidade me dá a chance de fazer isso sempre, e não a cada dois ou três anos, coisa que aconteceria se eu fizesse somente filmes para o cinema. Do ponto de vista da linguagem de meus filmes, acredito que o exercício com a publicidade me ajuda a definir uma linguagem de comunicação direta com o público, o que é bem bacana também quando se está fazendo um longa.

OE: Quais filmes você considera essenciais?

MJ - Todos aqueles que me dão prazer ao vê-los. E falo "prazer" num sentido amplo, que é sim divertimento, mas também prazer estético, intelectual, emocional. E é melhor ainda se este prazer for acompanhado de uma boa dose de reflexão sobre a condição humana. Assim, tenho muitos "filmes essenciais" em minha lista.

OE: Que cineastas te influenciam?

MJ - Muitíssimos. Mas, se você precisa mesmo de uma lista, vou colocar alguns, esquecendo a maioria: Fellini, Kusturica, Leone, Paradjanov, Scorcese, irmãos Cohen, Kubrick, Hitchcock, Coppola, Herzog, Meirelles...

OE: Como você vê o fechamento de locais para exibição de filmes de arte em Curitiba, como aconteceu com o Cine Ritz e, mais recentemente, com o Cine Luz?

MJ - Lamentável, não? Mas, de qualquer maneira, sinais dos tempos que correm.

OE: O que você considera um dado novo neste momento da produção cinematográfica?

MJ - Há vários, inclusive contraditórios neste momento na produção cinematográfica mundial. Enquanto por um lado vemos o sucesso do 3D e de filmes como Avatar, assistimos ao sucesso de filmes pequenos e independentes, como Guerra ao terror. Para onde vai o cinema, para qual lado? Eu acho que para todos, como sempre.

OE: Quais nomes você destaca na atual cena cinematográfica brasileira?

MJ - Beto Brant, Sérgio Machado, Marcelo Gomes, Breno Silveira, Karim Ainouz, Heitor Dhalia, Laís Bodanski, entre outros.

OE: No que está trabalhando agora?

MJ - Meu próximo filme, provavelmente, será o Dois sequestros, que acaba de vencer um edital da Petrobrás. As motivações que me levaram a conceber este filme (juntamente com Lusa Silvestre, meu parceiro também no roteiro do Estômago) derivam de uma longa reflexão sobre a justiça e a vingança e sobre os limites de ambas. Dois sequestros será um drama psicológico, e embora narre fatos de violência, não terá nenhuma cena de violência explícita.

por PAULA MELECH
foto DANIEL CARON
originalmente publicada em 14.03.2010

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