segunda-feira, 26 de julho de 2010

Não é samba de raiz, é samba da árvore inteira


Este é um mês especial para o grupo Serenô: às portas do aniversário de três anos, eles decidiram apostar em um repertório de composições autorais no show Serenô S.A. - Sambas e afins, que será apresentado hoje, no Sesc da Esquina. É uma boa chance de ver os desdobramentos do trabalho de pesquisa do grupo, que aposta na liberdade artística e na vivência pessoal dos sete integrantes.

No grupo, as habilidades de cada um se dirigem para um mesmo ponto - o de fazer um samba que se deixa contaminar por experiências diversas e tem a liberdade de transitar sem medo por outros gêneros musicais. Roseane Santos (voz), Eduardo Gomide (voz e violão), Gustavo Proença (voz e percussão), Fernando Lobo (voz e percussão), Raphael Araújo (percussão), Manchinha (gaita ponto), Érico Viensci (cavaco, violão 6 cordas e voz) e o músico convidado Marcos Filgueiras (cavaco), fizeram uma pausa no ensaio para sentar ao ar livre e conversar sem pressa sobre os trabalhos, os encontros, o samba e como a cidade recebe tudo isso.

A casinha nos fundos do quintal tem grama na frente e algumas árvores plantadas lado a lado, ocupando boa parte do pequeno espaço de terreno. O espaço é o refúgio artístico do grupo. É onde, ultimamente, eles têm ocupado o tempo ensaiando para o show que vai ocupar o palco de um teatro, uma experiência nova. "Este é um show de composições. Estamos nos preparado fazendo outros arranjos para as músicas serem apresentadas no teatro", conta Roseane.

A relação diferente que esse espaço sugere está sendo um grande motivador para eles. "No teatro, as pessoas ficam com os ouvidos mais atentos", destaca Gustavo, Rose completa: "É a hora da gente ver como funcionam os detalhes das músicas, que muitas vezes passam batido na noite". Em agosto, mês de aniversário, o grupo ainda vai ganhar um outro presente: a abertura do show da primeira dama do samba, D. Ivone Lara.

A pesquisa do grupo começou voltada para a escolha do repertório e interpretação de sambas e batuques, dos sotaques musicais, do jeito de cantar e tocar dos sambistas do recôncavo baiano, dos partideiros cariocas e dos jongueiros do sudeste paulista. Depois, mergulhou no universo do samba de raiz, e hoje há quem defina-o como um "samba diferente".

De papo em papo, vamos descobrindo que o trabalho do Serenô é um agrupamento das distintas formações e das preferências musicais de cada artista. "É isso que a gente empresta pro grupo quando todos se reúnem", diz Rose. Juntos, eles não fazem somente um "samba de raiz", mas um samba "da árvore inteira", continua a representante feminina do grupo. "Temos consciência de que fazemos algo amplo, que não se fechou. Pegamos samba de roda, partido, samba de terreiro e jogamos um pouco de forró, uma milonga. É difícil rotular, tocamos o samba que a gente se identifica".

Muitas pessoas que se identificam com a música do grupo rumam todas as noites de sábado para a Sociedade 13 de Maio, onde os shows do Serenô acontecem há mais de um ano. O repertório para a noite curitibana é mais abrangente: abarca o popular de Zeca Pagodinho, visita as tradicionais composições de domínio público até chegar aos grandes compositores, como Roque Ferreira. "Ele é uma das melhores coisas que temos atualmente", realça a cantora.

Pouca gente sabe, mas o nome do músico está presente em muitos discos dos maiores sambistas brasileiros. Desde 1979, quando foi lançado por Clara Nunes no LP Esperança, até os mais recentes discos de Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Elton Medeiros, Martinho da Vila e Beth Carvalho.

Com o Roque, o Serenô mantém uma parceria amigável. Eles não escondem a admiração pelo artista, cuja generosidade tornou-se evidente quando ele cedeu uma música para o grupo. Hoje, Chuva fina faz parte do repertório dos shows e está na boca das matildes.

A relação que eles mantém com o espaço da Sociedade é de total envolvimento: com o restante da equipe, eles chegam antes das portas abrirem para preparar o salão e são os últimos a sair. "Tem uma energia que magnetiza as pessoas, faz a coisa acontecer e vemos esse reflexo em quem vai lá. É um encontro para festejar, para agradecer".

Que Curitiba não é o berço do samba não é segredo pra ninguém, mas isso não impossibilita a produção musical do gênero por aqui. É um rumo que está sendo percorrido e vai construindo uma identidade musical do samba na cidade. "Ele está acontecendo aqui agora, então, de certa forma, é uma propriedade nossa também", justifica Gustavo. "Acho que desse jeito a gente vai percorrendo esse caminho em Curitiba, onde as pessoas dizem que não tem samba, mas é mentira", arremata Rose.

FOTO: Ciciro Back

domingo, 18 de julho de 2010

O SOM DA CIDADE


Sim, nós temos rock. Mas também abraçamos o samba, o choro e a MPB com o mesma afetuosidade com que recebemos a música celta, experimental e nordestina. Uma amostra de toda essa diversidade musical gerada em Curitiba é o que oferece o projeto O som da cidade, que acontece até outubro no SESC da Esquina.

A quarta edição do projeto começou no mês passado com o espetáculo Música dos povos, do Grupo Omundô. A pesquisa em sonoridades étnicas caiu bem para abrir o festival que reúne em um mesmo palco vértices opostos musicalmente, mas que se completam para formar o abrangente cenário proposto pelo projeto. O apanhado de estilos culminará em um grande espetáculo ao ar livre, em dezembro, com a participação de vários grupos e artistas.

Além do Omundô, já deram o ar da graça o Combinado Silva Só e Gente Boa de Melhor Qualidade com O dono da Maloca - Adoniran 100 anos e a música celta da banda Thunder Kelt. Para dar uma pitada de rock ao eclético panorama, a banda Mordida sobe ao palco hoje.

O grupo formado por Paulo Hde Nadal (voz e guitarra), Luiz Bodachne (guitarra), Zé Ivan (baixo) e Ivan Rodrigues (bateria) é considerado um dos projetos autorais mais promissores da cidade. Desde 2003, ano da sua fundação, a banda já passou por algumas mudanças de formação, mas o foco permaneceu intacto.

Quando perguntados sobre como definiriam o som feito por eles, os integrantes respondem em uníssono: é rock para dançar. A resposta sai sem dificuldades, mas não é fácil definir o som feito por eles. Talvez o resultado de vários ingredientes misturados em um liquidificador ou "Roberto Carlos-doido-moderno, brega suspirante, vovó na Rave", como eles definem graciosamente no site da banda.

Mas explicar, neste caso, é o que menos importa. Quem for ao show poderá sentir no corpo as vibrações e ter as reações que a música deles suscita. Pensado especialmente para o projeto, o show Mordida em concerto faz um apanhado da trajetória de sete anos e mostra em primeira mão as quatro músicas (duas inéditas) que farão parte do primeiro disco.

"Este é um show especial. Vamos inserir alguns elementos novos como uma prévia do disco que está por vir", adianta Paulo Hde Nadal. O nome do álbum ainda é "segredo de estado", mas a previsão é que o lançamento ocorra ainda este ano. "Por enquanto estamos finalizando os instrumentais", completa Zé Ivan. Já que a ideia é primar pela qualidade, propositalmente os músicos não agendaram uma data para evitar pressões para concluir o trabalho.

Em sua discografia, o Mordida tem seis Ep's: Mordida, A grande garagem que grava apresenta Mordida, Tokyo, Festa jovem, Eu amo vc e Trama singles. A banda também participou de duas coletâneas: Tributo ao kinks (2006), produzido pelo guitarrista fundador da banda, Dave Davies; e Tributo ao álbum branco, produzido pelo jornalista Marcelo Froes em 2008.

A eclética programação é o grande trunfo do O som da cidade, uma oportunidade única de ver em um mesmo palco o pop/rock das bandas Mordida, Lívia e os Piá de Prédio, Ruído/mm e Punkake e o choro de Daniel Migliavacca. Ou a música experimental e erudita de Ângelo Esmanhotto com o samba e a MPB do grupo Serenô, Gil Bandeira, Thiago Chaves, Banda Sincopé e Espinho na Roseira. Ainda passam pelo teatro o Grupo Rosa Flô e a diversidade de estilos que marca a Banda Gentileza.

Tocar em um teatro é a primeira experiência para muitas das bandas que foram selecionadas para o projeto, como sublinha Kenni Rogers, produtor cultural do Sistema Fecomércio -Sesc/Senac. "O projeto é uma oportunidade de qualificação para grupos apresentaram espetáculos dentro de um teatro, que é outro produto. Eles deixam o show preparar um espetáculo musical, que exige cuidados diferenciados com figurino e cenário, por exemplo".

Ivan Rodrigues, baterista do Mordida, sente que tocar no espaço do teatro abre espaço para outras possibilidades de repertório, já que "na balada é outro tipo de espetáculo". "É uma seleção de som eclético, onde todos os segmentos da música feita aqui estão representados. Isso é fantástico".

Rogers aponta que o projeto vêm ganhando novas proporções a cada ano, alavancado pela grande procura dos músicos. Nesta quarta edição se inscreveram 75 bandas e foram selecionadas 18, superando as expectativas dos organizadores. "O principal critério para a seleção é a qualidade musical e artística e a novidade nas propostas. O tempo de carreira não interfere na escolha".

Proveitoso não somente para as bandas, o projeto é uma boa oportunidade de ver grupos das mais diversas vertentes reunidos em um só local com um ingresso a preço baixo: R$ 5 e R$ 10. É bom lembrar que para garantir um lugar é mais seguro comprar com antecedência.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

CURITIBA EM QUADRINHOS


Há 28 anos, foi inaugurada em Curitiba a primeira Gibiteca do Brasil. Sete anos depois, abria as portas uma das pioneiras lojas do País especializada em HQs, a Itiban Comics Shop. A primeira, com cursos, exposições e títulos para leitura e a segunda com eventos de lançamento e disponibilizando exemplares do mundo todo. Juntos, os espaços impulsionaram a produção e traçaram o panorama dos quadrinhos na cidade.

Mesmo antes de entrar percebemos que a estética do lugar se afina com o aspecto dos quadrinhos. Na fachada da Itiban Comics Shop, uma pintura de Jorge Torres Galvão indica que ali se pensa em arte. Logo que colocamos os pés lá dentro, na Avenida Silva Jardim, imergimos em um universo que tem no desenho a sua principal fonte de inspiração.

O casal Chico Utrabo e Mitie Taketani abriu a loja há 20 anos, em uma época em que a produção de quadrinhos aumentava e, consequentemente, começavam a surgir pessoas interessadas em conhecer um pouco mais sobre as HQs.Foi justamente da dificuldade em ter acesso à produção que apareceu a vontade de ter uma atividade que unisse entusiasmo com alternativa de sustento. De outubro de 1989 - quando as portas se abriram pela primeira vez - até julho de 2010, muita coisa mudou.

O mercado de quadrinhos se profissionalizou ainda mais com o surgimento de diversas vertentes de produção, o diálogo mais próximo com o cinema e a explosão do consumo. Mas, ao mesmo tempo, Chico e Mitie se sentiam em parte ameaçados pela facilidade em encontrar facilmente na internet os mesmos produtos que tinham na loja.

"Hoje existem muitas ferramentas na internet. Sentimos essa concorrência, mas nada se compara a folhear um livro nas mãos, gera uma sensação de bem-estar incomparável", destaca Chico.

Quando falamos em quadrinhos, estamos falando também do suporte onde ele está impresso, da textura do papel, da sutileza dos traços e cores dos desenhos. "Não se compara ao IPAD ou a uma tela de computador", destaca Chico, que também é músico, e dá grande valor ao aspecto sensorial que o virtual não pode trazer. "Estamos quase materializando o virtual, mas pra gente [dos quadrinhos] a mídia é desenhada e tem uma história por trás disso".

A procura na loja é grande. Várias vezes, tivemos que interromper a entrevista para Chico atender aos clientes: crianças, adolescentes e adultos. Ele conta que a freguesia é eclética "dos 8 aos 80", em meio a admiradores e colecionadores de quadrinhos. "Tenho um cliente que é arquiteto e construiu uma casa com uma forma de ventilação e entrada de luz de acordo com cada estação do ano. Tudo para preservar a coleção". Chico lembra que ainda teve outro que comprou um segundo apartamento para abrigar o enorme acervo de HQs.

Gibiteca

A Gibiteca do Solar do Barão, no centro, também conserva uma grande coleção que chega perto de 50 mil títulos de todos os gêneros. Desde 1982, ano em que foi criado, o local oferece, além de empréstimos e consultas de HQs, oficinas de criação, exposições, palestras, lançamentos e encontros de RPG.

O lugar é dividido por sessões (heróis, infantis, humor, terror, cartuns, séries, nacionais, mangá, estrangeiros, livros de RPG e antigos) e ainda guarda exemplares da produção de artistas da cidade, como José Aguiar e Carlos Magno.

O quadrinista José Aguiar é formado em artes plásticas pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e foi impulsionado para a carreira profissional depois de fazer cursos na Gibiteca. Zé Aguiar, como é conhecido pelos amigos, também deu aulas no lugar e reconhece a importância de um espaço como esse.

"Além dos interessados em frequentar os cursos, há o público que freqüenta para ter acesso aos materiais. Eles tem um arquivo maravilhoso para pesquisa. Lá é um ponto focal e tem uma tradição como ponto de referência".

Grandes quadrinistas

Como Carlos Magno, Aguiar foi influenciado desde a infância por histórias em quadrinhos do Batman, Hulk e Homem Aranha. Com o tempo, veio a vontade de produzir as suas próprias histórias e, aos 16 anos, começou a fazer tirinhas para jornais com o personagem O Boi.

Hoje, ele desenha para editoras, livros e revistas e, nas últimas décadas, tem trabalhado no mercado internacional. Na França, participou da coletânea Flying Doctors - Un jour de mai e ilustrou dois álbuns da série de aventura Ernie Adams, publicados por Editions Paquet.

O artista, que gosta de misturar diferentes estilos, aplicou a linguagem multifacetada dos quadrinhos em projetos envolvendo teatro e cinema. Aguiar desenvolveu o projeto gráfico do personagem Artie, do espetáculo Graphic e, junto com o quadrinista DW, fez as ilustrações do filme Morgue Story - Sangue, baiacu e quadrinhos, dirigido por Paulo Biscaia.

O trabalho ainda vai se desdobrar em dois álbuns de histórias em quadrinhos que serão distribuídos para livrarias de todo o Brasil, chamados Vigor Mortis comics, projeto aprovado através do Edital de Mecenato Municipal.

"Pegamos os personagens principais e criamos peças novas para quadrinhos, que será lançado no segundo semestre. Foi um processo muito bacana". O quadrinista Carlos Magno, outro expoente do gênero, mora em São José dos Pinhais e trabalha com as principais editoras do mundo.

A trajetória do artista foi inversa, já que ele começou a carreira na DC Comics, onde fez o Jonah Hex. Depois, trabalhou com a gigante Marvel Comics, desenhando O incrível Hulk, Surfista prateado e Capitão Universo.

O artista também esteve em editoras menores, como Boom Comics, Avatar e Moonstone, onde trabalhou com O fantasma e Sherlock Holmes. O último trabalho, Transformers - Nefarious, da norte-americana IDW Publishing, foi lançado no final de junho.

O termo "arte sequencial" (sequential art) foi criado pelo quadrinista americano Will Eisner para definir "o arranjo de fotos ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma ideia".

Um aspecto que não pode faltar para um quadrinista, diz Magno, é o domínio da linguagem narrativa, essencial para um bom trabalho. "A principal missão do quadrinho é passar a mensagem da história através do desenho, sem necessariamente precisar ler o texto".

por PAULA MELECH
foto DANIEL CARON
publicada no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Para uma construção da memória


O episódio ocorreu em abril de 2005, no Reino Unido. Andreas Grassl tinha 20 anos quando foi encontrado encharcado dentro de um terno preto e uma camisa de traje a rigor. Mostrava-se bastante assustado e sem nenhuma memória. Não pronunciou uma única palavra durante quatro meses, mas revelou-se um grande pianista. O fato foi o ponto de partida para a concepção de Homem Piano - uma instalação para a memória, novo trabalho da CiaSenhas de Teatro, que estreia no próximo dia 8.

O trabalho, designado como performance ou a busca da representação para além dos limites convencionais, incorpora a realidade de um homem prisioneiro do seu próprio corpo e dos lugares. Para a montagem idealizada coletivamente, o ator Luiz Bertazzo e a diretora Sueli Araújo (que também assina a dramaturgia) buscaram sobretudo uma outra relação com o público, agora não mais visto como a habitual plateia apenas observadora e silenciosa.

A montagem - a ser vista às 16h, 18h ou 20h - expõe ângulos de um personagem desprovido de lembranças que compartilha suas emoções, dúvidas e impressões partindo da não-existência de ideias e imagens passadas. É ele que nos recebe na calçada em frente ao espaço da CiaSenhas, na rua São Francisco, e propõe um compartilhamento de memórias.

Para entrar em sintonia com o meio, somos convidados a escrever em um pequeno pedaço de papel uma lembrança que gostaríamos de esquecer: uma palavra, uma atitude, uma data, um lugar. Assim, acompanhamos o ritual do esquecimento durante o percurso de deslocamento pelos três andares, cujas salas foram despidas de qualquer arranjo cenográfico que não se fizesse essencial ao trabalho. "Fomos tirando tudo e o espaço foi se mostrando", conta Sueli.

A mala carregada pelo personagem é a metáfora para indicar o viajante sem lugar, que não tem ponto de chegada nem de partida. O trajeto no espaço chamado de "lembrança" passa por ambientes onde o branco predomina em uma estética "crua" que atrai o espectador para os pequenos detalhes. "Queríamos transformar o espaço em potência, entender o que ele diz para nós. É um exercício de desprendimento, tem que pensar tudo em uma outra perspectiva", diz Sueli.

Em uma das salas, há somente sutis divisórias de fitas de papel fixadas em locais sugeridos pela própria arquitetura do prédio. "Os papéis colados com fita crepe sugerem menos um significado e mais uma sensação, que é a de fragilidade". A diretora acrescenta mais um motivo para uma cena na qual o ator escreve com giz branco na parede da mesma cor: "queríamos poder decidir se as palavras iam ser vistas ou não".

Processo

A pesquisa teve inicio em 2008 para o projeto Narrativas Urbanas - interferências e contaminações, um exercício prático de criação compartilhada em que os artistas observam a paisagem urbana, se deixam contaminar por ela e criam cenas-depoimentos a partir de fatos veiculados pela mídia. A historia do Homem Piano acabou se desdobrando nos primeiros impulsos criativos do projeto de pesquisa cênica.

Na primeira ação da pesquisa, Luiz esteve em vários pontos da região central de Curitiba para "colher" memórias. "Homem sem memória aceita memórias alheias. Colabore", dizia a placa instalada junto ao ator. Convidadas a contar algo sobre suas vidas, muitas pessoas foram colaboradoras indiretas da montagem.

"Queria ir pra rua. Saber se a idéia de memória suscitava dúvidas e tinha empatia com o público. Isso ajudou a construir um corpo, trouxe referência do que as pessoas sentem", lembra o ator.

O fato real ficcionalizado como uma narrativa que se alicerça na relação com o intérprete é compartilhado com o outro, que se torna parte da experiência proposta pela dramaturgia. "Gosto bastante da possibilidade de pessoas que vêm de lugares diferentes se tornarem um mesmo corpo afetivo e coletivo", completa Sueli.

Esse corpo coletivo é que vai constituir a memória renovada e em permanente mutação do trabalho, que se coloca sempre aberto a interferências e contribuições. Ao priorizar somente o essencial, o aspecto sensorial chega ao espectador por meio do afeto. "Era necessário um lugar onde as pessoas tivessem sensações. Nada podia levar para outro lugar que não fosse o da experiência", sustenta a diretora.

Serviço

Homem Piano - uma instalação para a memória.

De 8 a 18 de julho (todos os dias exceto dia 14), às 16h, 18h e 20h. CiaSenhas de Teatro (Rua São Francisco, 35 - Centro). Entrada Franca - 20 lugares. Informações: (41) 3222-0355 / homempiano.blogspot.com.

matéria publicada no jornal O Estado do Paraná
foto Elenize Dezgeniski