segunda-feira, 12 de abril de 2010

um mergulho no universo de Edith de Camargo


Dona de uma voz fascinante, Edith de Camargo constrói uma carreira que mescla popular e erudito, experimentalismo e minimalismo, em combinações harmônicas que a destacam na movimentada cena da música contemporânea. Coerência que se equipara com o universo das suas influências, desde o Lied Alemão até a originalidade da violinista e cantora checa Iva Bittová.

Enlaces com o chorinho e a bossa nova compõem uma narrativa que avança e abre outras janelas, revelando sempre novas cores na trajetória eclética da cantora, compositora e multi-instrumentista. Edith nasceu na Suíça, mas há 15 anos escolheu Curitiba para viver.

A carreira de Edith de Camargo tem uma marca própria, ainda que concebida coletivamente nos três álbuns do Wandula ou registrado em seus dois discos solo.

O resultado vem da paixão de dar forma ao ofício escolhido, que reverbera em outros lugares: é preparadora vocal de grupos teatrais, professora de canto e compõe trilhas sonoras para teatro e cinema.

Com a mesma delicadeza com que cuida do seu trabalho, Edith conversou com O Estado do Paraná.

O Estado do Paraná: Como é você compor músicas em outros idiomas e, no entanto, atuar no Brasil? O que você acha que muda na identificação por parte do público?

Compor nunca foi um exercício intelectual de construção para mim. A língua surge de acordo com as ideias que aparecem, de forma natural, e vou desenvolvendo a partir disso. Penso que a música é um veículo universal e o essencial dela é transmitido ao ouvinte pelo conjunto musical que a canção é. Entendendo o texto com certeza aumenta a compreensão e a apreciação, mas a experiência sonora assim como o algum acesso à poesia, creio, que todo mundo tem através da melodia e sonoridade e através da expressão vocal.

O Estado do Paraná: Como é para você o processo de preparar um show e depois apresentá-lo, tendo contato direto com o público?

Como você diz, a preparação de um show é um processo. As ideias se formam e se confirmam ou são jogadas fora. Vou fazendo um setlist, aumentando ele na medida do trabalho e aos poucos formo um roteiro. Dentro disso, as ideias vão surgindo e se definindo. Na elaboração do meu último solo, Sing song - um ensaio poético, inventei uma cena para bonecos de papel maché para uma música que ainda não tinha finalizado. Acontecem coisas assim... um show envolve roteiro, luz, cenário, figurino, movimentação etc., e para que ele aconteça, muita dedicação. A hora da apresentação para o público é um ato muito intenso e especial. Talvez isso gere o nervosismo, que muitas vezes tem que ser dominado antes de entrar no palco... ter platéia é muito bom e essencial, pois sem público nosso preparo não faz sentido. O público escuta, assiste e mergulha por um momento no universo que criamos. muita responsabilidade...

O Estado do Paraná: Como se dá o processo de fazer trilhas para peças de teatro?

Quando tenho um tema, uma base a partir da qual eu posso criar, a metade do caminho está andado. Estudo o texto, assisto ensaios e converso bastante com o diretor, o que é essencial para que a música esteja expressando a intenção certa em cada cena.

O Estado do Paraná: Como é para você viver tão longe do lugar onde nasceu?

Nem sempre é fácil estar longe da família, da nossa matriz. Quando morava na Suíça muitas vezes sentia uma saudade de estar longe, o Fernweh, como a gente chama em alemão, e penso que a vinda para o Brasil calou isso de uma vez por todas, pois fiquei. No início tive que aprender a administrar muitas faltas e aprender os códigos sociais e culturais daqui. Hoje, depois de tantos anos, eu sinto que Curitiba é lugar que escolhi para viver. Não é porque é o melhor lugar, mas porque minha vida acontece aqui, portanto é meu melhor lugar.

O Estado do Paraná: Em que ponto o Brasil influenciou na sua música?

Em muitos pontos. Eu devo muito aos meus diversos excelentes professores que tive quando estudei no Conservatório de MPB e nas Oficinas de música. Quero citar a pratica de rítmica de José Eduardo Grammani, que me ajudou muito a desenvolver minha musicalidade. A bossa nova, o Tom Jobim, que admiro muito e estudei bastante, e também o chorinho, que por ter uma base na Polka e no Schottisch, sempre me soou familiar.

O Estado do Paraná: O que você escuta atualmente e com quem gostaria de cantar?

Gosto de escutar músicas de diversos gêneros e lugares do mundo. Atualmente escuto compositores curitibanos, a trilha sonora do último filme de (Pedro) Almodóvar, Abraços partidos, Buika e Chucho, o novo CD de Sigur Ros, a trilha sonora do filme francês les chanson d’amour e tango eletrônico (risos). Adoraria cantar com a Beth Gibbons do Portishead, a Björk, Elizabeth Fraser do Cocteau Twins, a Jane Birkin, o Neil Hannon do Divine Comedy e se estivesse vivo, o Cartola.

O Estado do Paraná: Como você se vê dentro do cenário musical de Curitiba?

Sou uma entre muitos, temos um cenário musical muito rico aqui em Curitiba. Me sinto muito bem recebida, com o Wandula e meu trabalho solo também. Tenho recebido convites e estou trabalhando, o que é muito bom. Mas existe de fato a dificuldade de aumentar o espaço de trabalho, por conta da falta de produtores que temos, pelo menos para o gênero de música que faço.

O Estado do Paraná: Para você, o compartilhamento de músicas através da internet é interessante? Qual seria sua reação se visse um CD seu pirateado?

Sim, acho muito interessante essa nova possibilidade de trocar idéias facilmente e no mundo inteiro. Eu ficaria contente (em ver Cds seus pirateados) pois os meus esgotaram.. (risos). Mas acho muito importante que as pessoas que gostam da nossa música comprem os Cds. É uma forma de incentivar um trabalho independente. Aliás o CD La récréation do Wandula ainda está disponível.

O Estado do Paraná: Quem são as principais influências no seu trabalho?

Barbara, uma grande compositora e cantora francesa, o Lied alemão, a chanson française, os Beatles e o experimentalismo de Iva Bittová.

O Estado do Paraná: O que você ainda não fez que tem vontade de fazer?

Um sonho é tocar músicas minhas ou do Wandula com orquestra.


por PAULA MELECH
imagem CÍCIRO BACK
matéria publicada em 24/01/2010. Veja o original aqui.

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