domingo, 2 de maio de 2010

O batuque do pandeiro de Vina Lacerda


Instrumentos de percussão dividem o espaço com livros, CDs e uma coleção de bonequinhos músicos no estúdio de gravação de Vina Lacerda. No meio de tudo, um objeto chama a atenção: lembra a forma de uma abóbora, grande e arredondada. "É um checo. Ganhei na viagem que fiz ao Peru". Vina acabou de chegar do país onde participou do III Festival Internacional de Cajón Peruano.

Todos os sons lhe interessam. O efeito que o batuque provoca e a forte ligação com os ritmos brasileiros o levaram a encarar a música sob um ponto de vista global. O músico se afina não somente em tirar som dos instrumentos, mas a estudá-los minuciosamente, explorando toda a diversidade musical brasileira.

Influenciado pelo pai e encorajado pelo irmão Vadeco - também músico - Vina começou a sua carreira repentinamente. Foi em uma manhã que ele acordou com a vontade súbita de tocar um instrumento. Deste dia em diante tudo mudou e a música ocupou um lugar que até o momento estava vazio.

O trabalho considerado mais inovador foi experimentado na banda Vadeco e os Astronautas, que começou com um power trio formado por Vina, Vadeco e Luciano Cordoni. A forte influência aqui foi o disco Olho de peixe, de Lenine e Marcos Suzano, uma das obras de referência da década de 90 na música popular brasileira.

Vina se interessa especialmente pelas possibilidades do pandeiro, que representa mais significativamente a música brasileira.

Foi quando a inclinação se solidificou em um trabalho teórico sobre o instrumento que resultou em dois livros: o Pandeirada brasileira e Pandeirada brasileira versão pocket, um método de percussão sobre o estudo da técnica de execução do pandeiro.

Paralelamente, o músico segue como integrante da Orquestra à Base de Cordas e participa como músico de estúdio selando parcerias com vários artistas da cidade, como Alexandre França e Rogério Gulin.

A conversa com o percussionista e pesquisador aconteceu no estúdio do músico, no bairro Hugo Lange, em Curitiba.

O Estado do Paraná - O que te levou para a música?

Vina Lacerda - Comecei a estudar música um pouco tarde, aos 16 anos. Acordei um certo dia e perguntei ao meu irmão: "Gostaria de tocar um instrumento, o que você recomenda?" Ele me indicou a percussão.

Na mesma semana comprei um bongô e um vídeo aula de percussão. Aprendi algumas ritmos básicos e fui acompanhar meu pai, músico amador responsável por boa parte da minha educação musical informal. Passei toda minha infância nas rodas de samba comandadas por seu Valdemar (meu pai), escutando o melhor da música brasileira. Tendo dentro de casa pai e irmão músicos, toda a informação musical que recebi fez brotar em mim o desejo de me tornar músico.

OE - O que você acha que a música brasileira tem de especial?

LV - Somos detentores de um estilo único, a música brasileira é querida em todo o mundo e conquistou um espaço muito importante na musica mundial. De norte a sul do País a variedade de gêneros e estilos é infinita. A miscigenação do povo brasileiro é o um dos pontos mais positivos. O ponto negativo é que grande parte dos brasileiros desconhecem o patrimônio cultural de suas regiões e só consomem a música comercial de baixa qualidade. Precisamos nos atentar a isso, para que não se consuma música brasileira de entretenimento.

OE - Além de músico, você também é um pesquisador. Em que momento você enveredou por esse caminho?

LV - Quando comecei a buscar material didático para meus estudos, descobri a grande lacuna que existe na produção de materiais destinados ao estudo da musica e da percussão brasileira.

O caminho foi natural, investi em minhas pesquisas e acabei editando dois livros sobre o pandeiro brasileiro. O Pandeirada brasileira é um dos mais completos trabalhos já publicados relacionados ao pandeiro brasileiro.

OE - Como está sendo a repercussão no Brasil e no exterior?

LV - Durante as últimas décadas o pandeiro brasileiro ganhou praticantes em todo o mundo. Considerado uma bateria de mão portátil e versátil, vem ganhando espaço também na música feita pelo mundo. Toda essa procura pelo instrumento trouxe junto a busca de ferramentas que auxiliem o aprendizado do instrumento.

O Pandeirada brasileira entrou aí, bem completo e com uma proposta de ensino que segue o formato play-along das publicações da editora americana Jamey Aebersold, foi elogiado por professores e estudantes de música em todo o mundo.

Presente em mais de 15 países o material teve sua primeira publicação esgotada. Reorganizei o material e lancei uma compilação intitulada Pandeirada brasileira pocket edition, mais sucinto, destinado a estudantes iniciantes e intermediários.

OE - O que mais te interessa nos instrumentos de percussão?

LV - A diversidade de instrumentos e a simplicidade de alguns deles. Seu papel dentro das cerimônias e festividades nas diversas culturas do mundo. O efeito que o "batuque" trás ao ser humano. Quando o Ocidente descobriu a percussão do Oriente a música se transformou, ganhou uma nova alma, mais viva, colorida e provocante.

OE - Você se lembra da primeira vez que teve contato com um pandeiro?

LV - Sim, estava tendo aulas com meu querido amigo e mestre Coelho. Foi meu primeiro professor. Nunca esqueço o dia que fomos comprar juntos meu primeiro pandeiro, tenho ele até hoje.

OE - Você teve um mestre?

LV - Tenho vários. Sou extremamente observador. Gosto de ver os músicos tocarem. Assim se consolidou boa parte de meu aprendizado. Cada dia descubro um novo mestre. Adoro músicos que conseguem colocar identidade em seus trabalhos.

OE - No seu processo criativo, você parte de uma imagem para buscar o som acontece o contrário?

LV - Para mim as duas formas são sempre presentes. Na música a inspiração pode vir de várias maneiras. Quero que minha música seja cada vez mais ligada a sensações também visuais.

OE - Quais os seus próximos projetos?

LV - Estou organizando um novo material sobre percussão brasileira e ensaiando um futuro show solo. Ainda sem pressa e datas para lançar, me dedico agora aos projetos locais e divulgar o Pandeirada brasileira pelo mundo.

por PAULA MELECH
foto DANIEL CARON
publicado originalmente no jornal O Estado do Paraná.

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