quarta-feira, 14 de abril de 2010

A dança reinventada de Gládis Tridapalli


Gládis Tridapalli tem colocado cada vez mais sua pesquisa em um lugar de interação com diferentes áreas da vida e do conhecimento. Interessada sobretudo no potencial das situações, a bailarina equilibra a teoria e a prática, a criação e a educação para deixar o corpo se inscrever naturalmente nas dinâmicas da dança contemporânea.

Essa dança na qual Gládis está inserida sublinha a aproximação e o revezamento com diferentes áreas artísticas, desestabilizando a mecânica de movimentos repetitivos, ensaiados, cumulativos. Cada circunstância é tratada por ela com a mesma medida de encantamento, seja atuando como professora nas salas da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), realizando um trabalho solo ou colaborando com projetos alheios.

Os trabalhos da artista - mesmo que não diretamente - são contaminados pelo modo de narrativa não-linear presentes do cinema e da literatura. A busca aqui é por uma produção de sentido que se apresente como uma rede complexa, ambígua e instigante de sentidos.

A dança, para ela, emerge de questões que envolvem problemas e vontades, e a procura pela resolução dessas situações abrem o leque de atuação do seu trabalho. "A arte nos dá a possibilidade de elaborarmos mundos possíveis e de refinarmos o olhar".

Gládis falou por quais caminhos anda a dança contemporânea e sobre os impulsos que a movem em direção à ela.

O Estado: De onde geralmente parte o impulso criativo para um novo trabalho de dança contemporânea?

São impulsos de vida. Muito do que estou vivendo no momento, vivi, ou gostaria de viver no futuro. Muito do que vejo também. A arte nos dá a possibilidade de elaborarmos mundos possíveis e de refinarmos o olhar. O olho se volta para a gente mesmo, para o corpo e para o mundo e no meio de tudo isso, a arte é a tentativa de arranjar alternativas para reinventar e se reinventar. O impulso criativo surge quando algo incomoda, inquieta ou quando presto atenção em algo que pode ser simples do cotidiano, que inclui também olhar para a rotina da dança/corpo que tenho. A rua é sempre um lugar em que tenho ideias também. Gosto de caminhar, errar os caminhos e também observar, observar o comportamento/lógica das coisas, da natureza, dos outros e o meu também.

O Estado: Como é para você fazer um trabalho solo de dança contemporânea? E como é dividir o palco com outros artistas?

O solo é sempre um parto difícil na hora de mostrar. No entanto, no solo, por mais que haja colaboração de outras pessoas, gosto muito do processo, pois se tem mais liberdade para intensificar o teste dos experimentos e selecionar o que vai para cena. No entanto, criar em grupo é um grande e árduo exercício de escuta, de generosidade e da ética. E na hora H da temporada é muito bom contar com os outros. As parcerias, tanto no De maçãs e cigarros, com - Ronie (Rodrigues), Mapi (Mábile Borsatto) e Dani (Daniella Nery) e no Próximas distâncias, com Candice (Didonet), foi muito bacana. Deu para realmente dividir responsabilidades, lidar com os conflitos e também sentir prazer, se encantar com a existência do outro. Isso é fundamental para mim num projeto.

O Estado: Quais das outras artes mais influenciam nos seus trabalhos? De que maneira?

Cinema e a literatura. Não sou uma entendida de cinema, nem de literatura. Fiz Letras e Jornalismo um tempo, o que me ajudou, mas nunca estudei a fundo nenhuma dessas áreas. No entanto, tenho a mania de observar o modo como as narrativas/dramaturgias no cinema e na literatura se dão e fico impressionada. Alguns filmes e livros me mostram, o que muito procuro na dança, que é uma produção de sentido que se distancia da linearidade e se apresenta sim como uma rede complexa, ambígua, instigante de sentidos. Nem a literatura nem o cinema estão diretamente presentes nos meus trabalhos, nunca decidi, "agora vou fazer um diálogo com o cinema ou a literatura", mas me contaminam sim. Ultimamente tenho me interessado pela pintura também, acho que decorrência da busca por entender sobre as imagens internas e externas que o corpo pode produzir como modo de comunicação.

O Estado: Como o seu trabalho como professora de dança da Faculdade de Artes do Paraná interfere nos seus projetos?

A faculdade de artes do Paraná é um lugar em que posso testar muitas coisas e os diálogos entre a criação e o ensino naturalmente emergem, porque afinal estamos numa faculdade de artes. Os temas dos projetos artísticos não se tornam diretamente aula na Faculdade, mas sou uma pessoa só, e quando a gente está criando, ficamos diferentes e isso invade os outros lugares. A articulação fica mais rápida, as idéias fluem e os alunos como especiais pesquisadores embarcam nessa e essas experiências modificam, alimentam os projetos. O que fica da FAP também é o estudo do mestrado que fiz em Salvador e que muito pulsa e impulsiona a criação.

O Estado: Como você cuida do seu corpo?

Eu danço quase todos os dias. Faço aula sozinha e as vezes em grupo. E as aulas incluem propostas de consciência corporal, improvisação e também de resistência, fortalecimento, velocidade. Caminho bastante e escolho caminhos verdes. A alimentação é legal, muita verdura, fruta, amido integral e pouco açúcar. Não como carne vermelha. Sinto que as questões do corpo também estão relacionadas com estar envolvida na realização de coisas que importam para mim. Fica tudo mais saudável, potente, a respiração leve, a energia flui.

O Estado: O que você gosta de ver em uma peça de dança?

Gosto de me sentir participando na construção da dramaturgia, gosto de sentir que ao mesmo tempo há uma construção do artista proponente, mas há espaço para eu jogar junto, refletir, pensar sobre, me desestabilizar também. Curto uma peça de dança quando ela apresenta uma pesquisa de linguagem diferenciada e aprofundada na qual fico pensando: "como será que isso foi feito? Que legal! Nunca tinha pensado assim!" Gosto de sacadas, surpresas e um bom, inteligente e particular desenvolvimento delas.

O Estado: Quais são os seus próximos projetos?

Agora estou pensando nos projetos que já realizei em 2008 e 2009. Quero poder amadurecê-los, experimentar com calma, dançar mais vezes, esticar as parcerias, circular em outras cidades. No entanto questões novas podem surgir dessa vontade, daí então cabe um projeto novo.

por PAULA MELECH
foto DANIEL CARON
originalmente publicada em 28.02.2010

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