domingo, 29 de agosto de 2010

A criação de Zaqueu


O Teatro Paiol, árvores e ruas de paralelepípedo compõe o ambiente que cerca a Rua Almirante Barroso, no bairro Rebouças, em Curitiba. Mesmo próxima do centro, a tranquilidade da via harmoniza com a arquitetura antiga da casa bege, lugar onde se concentram as atividades do Grupo Obragem de Teatro durante as manhãs da semana.

Na entrada, a parede branca destaca o cartaz que lista as atividades realizadas no projeto Dossiê Buchner - pesquisa e montagem, contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2009.

O projeto, realizado ao longo de oito meses, culminou na montagem da peça Zaqueu, da qual pude acompanhar um ensaio há mais ou menos dez dias. A ansiedade do grupo agora é para estrear, amanhã, no Espaço Dois. Neste novo trabalho, os atores revezam a interpretação de personagens e mostram os procedimentos adotados para a criação.

Voltando ao dia do ensaio: a sala grande com que nos deparamos logo ao abrir a porta é o estúdio: testemunha do envolvimento com que os seis integrantes encaram o processo criativo.

“Pode sentar aqui”, Olga Nenevê, a diretora, oferece uma almofada e uma mantinha (o dia está frio) para que a acomodação seja confortável. A Edith de Camargo, responsável pela trilha sonora, já está sentada com caneta e bloquinho a postos e os atores se preparam para dar a passada.

Olga é casada com o ator Eduardo Giacomini e, juntos, eles compartilham a casa - cozinha, quarto, sala, banheiro, varanda e quintal - com os outros quatro atores da companhia: Elenize Dezgeniski + Fernando de Proença + Ronie Rodrigues + Vanessa Vieira. A morada ainda abriga os gatos Chimu e Melie.

Sozinho, Fernando de Proença entra em cena carregando casacos em um dos braços, caminha devagar pelo espaço retangular e, cuidadosamente, dispõe as vestes no chão em cada canto da sala forrada com linóleo.

Fala: “Nota de esclarecimento: estou confuso e inadequadamente sensível esta noite. De todas as minhas auto-representações nenhuma me ocorre agora. O fato é que olhei imagens que revelaram pedaços meus.”

Neste momento ele é Zaqueu, o filho, em outros encarna Angélica, a mãe. Na busca de uma satisfação inalcançável, eles se mostram incapazes de superar o vazio de suas vidas e acabam por perderem-se um ao outro e a si mesmos.

A brincadeira envolvendo o ator com o personagem e a experiência do revezamento de um pelo outro é compartilhada com os outros atores, criando várias camadas de representação.

“As trocas revelam os diferentes modos com que cada um atua. Não queríamos fechar os personagens em um só recurso, mas dar a ele algumas características que unissem essa figura”, diz Olga. “Engraçado essa palavra “fingem’, porque a coisa aqui é, no fundo, um fingimento”, diz uma das falas de Angélica, a mãe.

Olga retoma: “O Zaqueu é a metáfora de um corpo marionete. Fala sobre a relação do ator com o personagem”. Para os atores, tudo se transfigura em um posicionamento muito particular em cena.

“A experiência nos fez pensar no modo como construímos os personagens. O olhar externo nos fez pensar em como queremos falar sobre encenação”, contribui Elenize.

Com Zaqueu, a terceira peça de uma trilogia, o grupo aprofunda sua pesquisa sobre a morte e sobre as questões da representação, iniciadas com as peças Passos, de 2008 e O inventário de Nada Benjamim, de 2009.

Criada a partir da seleção de notícias de jornal, a peça apresenta um retrato sensível da nossa sociedade e retrata a vida privada atravessada pela violência do comportamento social.

A junção das histórias se desdobrou em imagens e diálogos que sugerem uma percepção mais afetiva de um cotidiano cruel que permanece sufocado em páginas policiais. A busca é por aprofundar questões dessa realidade e investigar a sua tridimensionalidade.

“É um tema bem difícil de trazer para o teatro e é impressionante como vocês conseguiram dar um acabamento com tantos elementos diferentes. É um projeto muito coerente”, opina Edith, musicista que já trabalhou em muitas peças do grupo.

Ela vêm trabalhando desde o começo do projeto com as aulas de canto, que possibilitariam aos atores cantarem em cena, uma vontade antiga da diretora que foi concretizada agora.

“A transposição da palavra escrita para a falada em busca de sonoridade originais apareceu em muitos trabalhos. Mas o canto nunca chegou de forma tão acabada, vinha mais como uma sugestão.” Para Olga, o canto chega para distanciar o olhar da crueza da cena, é “um salto poético no meio do caos.”

A conversa que tivemos ao final da peça sublinhou como a percepção do cotidiano enfrenta obstáculos que atrofiam as subjetividades no entendimento do que ocorre com o outro.

Qual é a fragilidade de uma mãe que precisa acorrentar o filho viciado em crack dentro de casa? Como uma mulher desapareceu no meio do centro da cidade sem ninguém ter visto?

Serviço


Zaqueu.Teatro Espaço Dois - Rua Comendador Macedo, 431.De 27 de agosto a 12 de setembro. De quinta a sábado às 21h e domingo às 19h.Ingresso: R$ 10,00 (inteira).

FOTO Elenize Dezgeniski
publicado no jornal O Estado do Paraná.

Um multiartista à procura de simplicidade


Parece que até o número da barraca foi escolhido especialmente pra ele: "51, uma boa idéia!", diz Hélio Leites, confiando que não se trata de uma coincidência o lugar que ocupa na feirinha do Largo da Ordem todas as manhãs de domingo. Contrariando a correria delirante do típico ponto turístico de Curitiba, o artista enxerga beleza em cada detalhe ao seu redor.

Hélio é um criador de múltiplas artes: esculturas minimalistas, performance, poesia, teatro e contação de histórias. Um micro mundo feito de "personagens" de palitos de fósforos, botões, bonés e latas de sardinhas.

O "Rei do botão" é um contador de histórias e se vale dessa sua capacidade de imaginar para criar metáforas em lugar de descrever as coisas com rigor e precisão.

A movimentação na sua barraca não cessa - o que chama a atenção à primeira vista é a beleza das obras, ou "inutensílios" (como ele mesmo gosta de chamar). Depois de se aproximar e ficar por, ao menos meio minuto, somos envolvidos pelas suas palavras e causos sobre as coisas do mundo. "Todo o esforço recompensa, às vezes não é com dinheiro, mas com um lindo céu azul", diz, olhando para cima.

Aos que chegam, ele presenteia com um botão, "mas não é botão de roupa, que serve para juntar duas partes de tecido. É um botão que tem a função de unir as pessoas", esclarece o artista. E também o formato não lembra o artefato tradicional, o micro botão é um pequeno pedaço de papel adesivo com desenhos que lembram um amuleto.

Tem gente que diz que dá sorte, outros guardam pela delicadeza do gesto ou pelos desenhos, como o do poeta Fernando Pessoa ou do trabalho Marinhas - Arqueologia da morte, do fotógrafo Orlando Azevedo.

Quase tudo pode servir de base para ele sacar respostas criativas frente ao engessamento dos fatos do dia-a-dia. "Uma vez um cara passou por aqui, me deu um vidro de remédio vazio e perguntou se eu poderia usá-lo para alguma coisa. Daí eu fiz o santo remédio", conta, mostrando o vidrinho com uma mini-escultura de um santo dentro do conta-gotas.

Ainda no setor de "medicamentosos", ele inventou a injeção psicolúdica ou injeção de ânimo recheada com uma miniatura de São Francisco. "Você é maravilhoso", diz um homem que se acumula em meio a tantas pessoas para conhecer o trabalho do artista.

"O Hélio é iluminado, é pura compaixão. E o melhor é que ele nos faz dar boas gargalhadas", diz Christiane Mikoszewski, vizinha de barraca que fabrica sandálias orgânicas.
Arquivo
Todas as manhãs de domingo, artistas e amantes da cultura artesanal se reúnem na feirinha do Largo da Ordem, em Curitiba.

A própria figura dele diz muito sobre essa personalidade singular. O impagável topete grisalho, outro personagem de suas performances, está quase debutando. São 14 anos cultivando o pedaço de cabeleira que, por vezes, fica escondido no boné e, em outras, salta de lá feito uma caixinha-surpresa.

Os feitos do "significador de insignificâncias" adicionam sabedorias poéticas ao cotidiano caótico. Ele é o criador do Museu do Botão, um micro museu itinerante instalado em uma capa cravejada de botões, da ASSINTÃO (Associação Internacional dos Colecionadores de Botão) e é um dos fundadores da Escola de Samba Unidos do Botão.

Outra criação é a Igreja da Salvação pela Graça cujo lema é "Deus é humor!" O hinariador é o músico Carlos Careqa, a ogan é a artista Katia Horn, tendo a "Rainha dos papéis" Efigênia Rolim como madrinha e Hélio como pregador de botão.

O último "culto anual" aconteceu no ano passado e terminou por força das circunstâncias, como explica Hélio: "As pessoas levavam um baque ao descobrir que Deus também é humor, então preferimos encerrar as atividades. Agora pretendemos lançar um CD para que o culto possa ser feito em casa".

Com a sua gentileza, a proposta do artista é ver e mostrar o que mais ninguém percebe, com o humor refinado e os esforçados jogos de palavras. Em um artigo, Paulo Leminski escreveu sobre o artista com essa característica de um homem que não se prende aos padrões estabelecidos: "Moderníssimo, fundindo gesto e performance com o emprego de material reles (perdão meus botões!) e "mail-art', Lete (e a Assintão) vai conduzindo uma das experiências criativas mais importantes que tenho visto por aí, bem mais instigante e original que muitas vernissages de artes plásticas que não vão além do simples artesanato (ou industrianato, em muitos casos...)." Leminski termina o texto com uma irônica profecia: ""Ontem, o botão. Hoje, o assobio. Amanhã, o mundo".

publicado no jornal O Estado do Paraná.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Moda alternativa em um único bairro


Há alguns anos o bairro São Francisco, cravado no setor histórico de Curitiba, foi ocupado por lojas e bazares onde jovens estilistas promovem uma efervescência criativa no mercado da moda.

Eles querem distância das grandes redes de fast-fashion - lojas de departamentos que produzem roupas em série, para se aproximar de produção autoral e exclusiva, que alia moda e arte.

Quem caminha pelas ruas estreitas do bairro, especialmente no corredor entre o Largo da Ordem e a rua Trajano Reis, percebe a movimentação. São lojas com fachadas descoladas que chamam a atenção para produtos alternativos que atendem um público exigente na busca por tendências que fujam do padrão de mercado.

Um desses lugares, o maior e mais chamativo da região, é a Galeria Lúdica: espaço conceitual que alia moda, arte, design e gastronomia. Fincado na esquina das ruas Inácio Lustosa e Duque de Caxias, o sobrado colorido combina espaços híbridos como café-bistrô, galeria de arte, loja conceitual e escritório de criação.

A intenção do coletivo de artistas responsável pelo projeto é formado por Débora Mello (arquiteta), Felipe Pedroso (publicitário) e Michele Micheletto (designer de produtos e fotógrafa), Naty Fogaça (estilista) e Cláudio Celestino (artista plástico).

"Moda e arte são áreas que se interligam, uma serve de referência para a outra. Acreditamos nesse novo conceito", afirma Felipe Pedroso. Pelas mãos e mentes desses criadores surgiu também a ideia do Mega Bazar Lúdica (MBL) - um novo conceito em entretenimento que reúne cultura contemporânea, música, diversão, artes, design, compras e ação social.

Ocupando a Casa Vermelha no Largo da Ordem, o evento chega à sétima edição e já está inserido no calendário cultural da cidade. São duas edições anuais, nos meses de junho e dezembro.

O MBL apresenta variedades de estilos em mobiliários, roupas, acessórios e objetos de arte. O propósito é apostar na criatividade como matéria-prima, além de divulgar o trabalho de seus expositores e parceiros.

Esse movimento para fazer emergir um cenário alternativo de moda já tem ações concretas que envolvem trinta pontos comerciais da região.

Os integrantes do coletivo se uniram para criar um mapa do São Francisco, que serve como um guia sobre as lojas, bares, ateliês e cafés das redondezas.

A primeira edição teve uma pequena tiragem, mas a segunda terá o apoio da Secretaria Municipal de Turismo.

Brechó vintage

Depois de frequentar quase todos os brechós espalhados por Curitiba e municípios vizinhos, foi que Márcio J. Oliveira decidiu transformar a paixão por roupas vintage em profissão.

Foi assim que surgiu a Colete & Corselet, marca que reúne o que de melhor existe em roupas, acessórios, bolsas e sapatos "antigos de verdade".

Márcio sempre gostou de vestir roupas de brechó dá algumas dicas para quem tem dúvidas sobre combinações: "O legal é fazer um look misturando uma peça nova com outra vintage. Como são roupas realmente antigas existem tecidos únicos e cortes que não se fazem mais. O grande diferencial é a garantia de uma roupa exclusiva".

O trabalho para conseguir as peças é árduo e envolve, além do olhar atento, um conhecimento geral dos melhores lugares onde encontrá-las. Depois, ainda há o cuidado em lavar as peças e corrigir eventuais imperfeições. A Lisa Simpson, estilista da marca Agente Costura, dá uma mãozinha para customizar e deixar tudo ao gosto do cliente.

O que faz da marca ainda mais charmosa é a forma de comercialização. Márcio abre as portas do seu espaçoso apartamento, na Rua São Francisco, para os clientes conhecerem o seu trabalho. "Quem quiser liga antes para marcar um horário, conhece as roupas e ainda aproveita para tomar um café".

Uma parte do "acervo" da Colete & Corselet ainda é comercializada no Salão Lolitas, na Rua Trajano Reis, e na Garagem Agente Costura, na Rua Jaime Reis, onde Lisa cria e customiza peças, visando a reciclagem como alternativa para a moda atual.

Tendências da moda realmente importam pouco para esses criadores, que se movimentam em uma direção contrária às "regras" do mercado. A vontade aqui é de unir ideias que respeitem as características artísticas individuais e, com isso, tornar mais próximo o contato entre criadores e público.

Serviço

Colete & Corselet: para agendar uma visita, ligue para o Salão Lolitas: (41) 3224-8115 ou 3076-4700.
Galeria Lúdica: Rua Inácio Lustosa, 367. Telefone: (41) 3024-8114.

foto ANDERSON TOZATO

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Couve-Flor parte de Tim Burton para criar trabalho "6 por 1/2 dúzia"


O excêntrico conjunto de personagens criados por Tim Burton permitiu aos integrantes do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial uma releitura que ultrapassa a representação fantástica para se inscrever no corpo. A proximidade com os personagens sombrios e peculiares do cineasta culminou nas criações de seis solos registrados em "6 por 1/2 dúzia", trabalho que será apresentado de hoje até o dia 27 no TUC (Teatro Universitário de Curitiba).

Na verdade, o que será mostrado nestas três semanas faz parte de mais de um ano de envolvimento com o trabalho de Burton, que teve início com a leitura do livro "A morte melancólica do rapaz ostra & outras histórias". A idéia dos solos já vinha sendo amadurecida antes mesmo da montagem, em fevereiro deste ano, de "O Rapaz e a Rapariga:Peça de Pessoa, Prego e Pelúcia" também inspirada nos personagens do cineasta que ocupou o palco do Teatro Novelas Curitibanas.

Um desdobramento da pesquisa rendeu material para o novo projeto, onde os “couves” dirigem o olhar para desenvolver os personagens individualmente e acentuar pontos que poderiam ser mais e melhor explorados.

A dupla que estreia é Ricardo Marinelli com "Se ele fosse outra coisa não seria muito diferente"; e Gustavo Bitencourt com o solo "Pig Lalangue". A segunda semana segue com apresentações de Cândida Monte com "Magda", uma menina magnética que mora em uma geladeira; e "Mood" de Neto Machado com seu monstro que altera formas e cores. Na última semana, Elisabete Finger e Michelle Moura dividem a noite para apresentarem "Bestiário" e "Cavalo", respectivamente.

Antes do interesse em pesquisar a obra do cineasta, uma coincidência acabou direcionando o coletivo para a forma bizarra dos seres surgidos da mente do norte-americano. Primeiro, veio a constatação que os últimos trabalhos vinham sendo motivados pela vontade em criar ambientes a partir da materialidade da cena. “As criações se desenvolviam por meio da relação do corpo com objetos de cena, o que sugeria uma ligação sensorial específica com cada coisa”, aponta Ricardo Marinelli.

Depois, a coincidência: mesmo distantes geograficamente, alguns integrantes do coletivo compraram o livro de Burton para presentear outros. A percepção de que a obra do cineasta dialogava com as questões presentes no trabalho do Couve-Flor ficou clara. Essas questões se desdobraram nos personagens da peça, que, por sua vez, foram aprofundadas nos solos.

Solos de estreia

Ricardo aprofundou as suas questões fundamentando o trabalho na ambiguidade fragilidade x força e explorando mais o universo ácido do que o bucólico. Isso se revela na imagem das facas incrustadas no corpo: no início, cobertas por roupas, parecem sair da sua própria pele. Mas, em um segundo momento, o bailarino tira a veste e deixa transparecer como os objetos estão fixados no corpo. “Existe a metáfora da relação com o outro. Com facas cortantes, como acontece essa aproximação?”, questiona.

Em formato de “stand up”, um homem conta uma história em um idioma que não existe. Ou melhor, existe, mas na criação do trabalho de Gustavo, que estruturou o solo criptografando a sua intimidade em uma língua inventada. Para continuar com o que havia experienciado com o personagem da peça, ele foi a fundo na pesquisa que resultou no “novo” idioma. “Estudei esperanto para ver como é a formação. Foi um processo de adaptar algumas palavras e inventar outras pela associação livre. Parece quase compreensível”, conta Gustavo.

A intenção do bailarino é buscar um jeito de lidar publicamente com a fala de uma forma parecida com o que acontece em um sonho, onde as palavras são metáforas para outros significados. Além da linguagem de “stand-up comedy” o solo dialoga ainda com o cinema de David Lynch e com a música de Ennio Morricone, presente na trilha sonora.

Para explicar como pode ser a sensação de ouvir sem entender, Gustavo conta uma situação que viveu em Budapeste, sem entender uma palavra húngara. “Me pegava rindo de piadas que eu não entendia, criando possíveis significados”. A ideia é justamente essa: que o público fique livre para fazer as associações que quiser.

Serviço


6 por « dúzia - criações autônomas compartilhadas. A partir de hoje até 27 de agosto, no TUC (Teatro Universitário de Curitiba) - Galeria Júlio Moreira, Largo da Ordem, em Curitiba. De quarta a sexta-feira, às 20h. Sessão extra na sexta, às 17h. Obs.: A cada semana serão apresentados dois solos distintos. Artistas criadores: Ricardo Marinelli e Gustavo Bitencourt (de 11 a 13 de agosto); Cândida Monte e Neto Machado (de 18 a 20); Elisabete Finger e Michelle Moura (de 25 a 27). Ingressos a R$10, à venda no local.

FOTO daniel caron

MEIA DÚZIA DE MÚSICA


Nos anos 90, a Revista ShowBizz batizou Curitiba como a Seatle brasileira. A declaração veio em razão da explosão da cena musical independente que lotava cada metro quadrado dos porões da cidade. Vinte anos depois, os reflexos do que foi produzido naquela época se abrem para um horizonte ainda maior, onde a diversidade musical não encontra barreiras.

Conhecedores da quantidade de bandas com projetos autorais relevantes, o trio formado pelo produtor musical Virgílio Mileo e pelos músicos Vladimir Urban (Sick Sick Sinners) e Emanuel Moon (Relespública) vêm matutando, há três anos o projeto Gravando Curitiba - realizado por meio do edital Bandas de Garagem 2010 da Fundação Cultural de Curitiba.

A ideia se sustenta em divulgar o trabalho de 12 novas bandas locais a partir de gravações em estúdio de EPs com cinco músicas. Os resultados serão apresentados a partir do final deste mês em uma série de seis shows gratuitos a partir do dia 28 deste mês, no TUC - Teatro Universitário de Curitiba.

Entremeado por diferentes estilos - alternativo, rock'n'roll, pop, psychobilly, reggae e rock instrumental - os grupos escolhidos desenham um panorama do que está sendo produzido em Curitiba.

Depois da árdua tarefa de seleção, as escolhidas foram: Bringtom, Manawaii, Pitecantropo, Te Extraño, Negomundo, LPs, Ecos, A Quarta Parede, O Trilho, Pão de Hambúrguer, Planadores e Cwbillys.

O encontro desses grupos forma um conjunto de sons diferentes entre si mas que, coletivamente, constroem a cena atual das bandas independentes. O que vai permanecer deste momento na memória musical da cidade e dos cidadãos é graças à ampla abordagem de estilos.

Abraçados à equação arte+produção+divulgação, os idealizadores são unânimes: para se colocar no circuito, os músicos precisam esparramar o olhar para além das funções essencialmente artísticas.

"Às vezes a banda é super boa, mas não tem um material gravado com qualidade para apresentar", sintetiza o músico Vladimir Urban. "Cuidar de uma música é como cuidar de um filho, ela nasce e precisa de um acompanhamento. Em Curitiba isso é difícil porque não existem produtores musicais, ainda não existe essa mentalidade".

O reflexo da falta de profissionais de produção é que muitas bandas acabam isoladas, sem despontar no cenário musical nacional. "Curitiba já foi a Seatle brasileira, mas hoje não tem mais bandas estouradas".

A sugestão dos três músicos é resgatar essa mentalidade, unindo todas as ferramentas necessárias para uma divulgação eficiente. Um dos pontos chave nesse assunto é a internet.

Assim, Virgílio, Vladimir e Emanuel decidiram abrir o processo artístico - ou pelo menos boa parte dele - em um site. Na forma de um blog, o www.gravandocuritiba.com.br converge informações das bandas, fotos, releases e músicas para download. A página também vai transmitir, em tempo real, os shows no TUC.

Nas últimas semanas, o Studio Audio Stamp, no Alto da XV, é o espaço onde algumas da dúzia de bandas estão tendo a experiência de gravar pela primeira vez.

É de lá que vai sair o material que será levado às rádios, TVs, gravadoras e produtores de shows. Em formato de um boxe com todos os discos, o compêndio será distribuído ainda a festivais de bandas independentes de todo o País.

O estúdio também funciona como um QG: nos encontros, idéias e opiniões são colocadas na mesa e o trabalho coletivo impulsiona o projeto. Foi assim que surgiu a concepção estética do material gráfico criada por FF, músico da banda A Quarta Parede.

A arte padrão dos discos busca uma ligação com a cidade ao apresentar fotos de ônibus do transporte coletivo, sendo uma cor diferente para cada banda. O contato das bandas entre si vai acontecer também no palco: os shows -que seguem até o dia 29 de outubro - reúnem duas bandas a cada dia. "Isso dá um caráter de mistura mesmo. O público de uma banda vai pode conhecer o som da outra no mesmo local", completa Moon.

Shows


Os músicos lamentam o fechamento de casas de shows importantes na cidade, como o Espaço Cultural 92 graus. De propriedade de JR Ferreira, o lugar conhecido como "o porão mais rock de Curitiba" recebeu o último show em dezembro de 2005, depois de 14 anos de funcionamento.

O 92 foi um desses lugares abertos à experimentação, onde se apresentavam bandas não só as curitibanas, mas de outras cidades e até algumas internacionais.

A casa abrigava o mais antigo festival de música independente brasileiro, o National Garage, com as principais bandas do circuito na época. As primeiras edições foram em 1992 e, no ano de fechamento do espaço chegou a reuniu cem bandas em dez dias.

"Foi uma perda muito grande para a cena alternativa. Mas ainda assim temos outros lugares legais para tocar na cidade, como bares e casas noturnas", diz Moon, que cita o exemplo do Kubrick Bar, na Rua Trajano Reis, que recebe as bandas aos sábados, "dia internacional dos shows".

Serviço:

Shows no TUC.
Galeria Júlio Moreira, s/n.º -Largo da Ordem, a partir das 20h.
Dia 28 de agosto: Bringtom e Manawaii.
Dia 11 de setembro: Pitecantropo e Te Extraño.
Dia 25 de setembro: Planadores e LP's.
Dia 09 de outubro: Ecos e A Quarta Parede.
Dia 23 de outubro: O Trilho e Pão de Hambúrguer.
Dia 29 de outubro: Negomundo e Cwbillys.

por PAULA MELECH
fotos DANIEL CARON
publicado no jornal O Estado do Paraná.