sábado, 18 de dezembro de 2010

O bom momento da Mixtape


Os dois anos de estrada parecem mais tempo se nos depararmos com o amadurecimento musical da banda Mixtape. Afinal, é pouco para gravar um disco, O tormento do tempo, aparecer na programação da MTV e conquistar fãs ávidos por seguir a banda, uma das revelações do pop rock curitibano.

Aproveitando o bom momento, o duo formado por Pris Elias e Helen Negrão lança amanhã Eu uso, novo single em que exploram inquietações artísticas e sociais. As meninas estão em um período de transformação.

Depois da saída da baterista Renata Monteiro, Pris (vocal, guitarra e teclado) e Helen (baixo) decidiram continuar com a banda e incluir novas características. Vislumbrando o lançamento do segundo disco para o primeiro semestre de 2011, a dupla busca uma musicalidade bastante influenciada pelo eletrônico, o que dá uma roupagem mais pop ao trabalho, sem deixar de lado a essência rock'n'roll.

A sonoridade se une ao amadurecimento em relação às letras, que agora adquirem um aspecto mais crítico, mas também irônico. Este é o caso de Eu uso. "Percebemos que muitas pessoas querem usar somente o que está na moda, independente de existir ou não uma identificação com o tipo de roupa. É uma constatação de como muitas pessoas querem simplesmente se encaixar nos moldes impostos pela sociedade de consumo", explica Pris.

A forma com que a moda impõe maneiras não só em relação ao modo de vestir, mas de se comportar, está registrada também no videoclipe da música. A estréia foi no início deste mês no Acesso MTV com participação do duo ao vivo no programa e hoje integra a grade de programação da emissora.

Gravado no brechó Trapos de Luxo, o clipe ressalta a dependência criada por uma sociedade que não vende apenas produtos, mas principalmente sonhos e conceitos.A direção e produção é do coletivo de artistas Estúdio Rasputines. Anteriormente, a banda já fazia parte da programação da MTV com os clipes de Meu mundo e não sou você, canções registradas no primeiro disco.

A questão da moda, aliás, é um poderoso instrumento para as integrantes, que ainda mantém uma grife de roupas inspiradas na temática rock, a Vira o Disco. Buscando encontrar alternativas para as tradicionais camisetas pretas com figuras de bandas, as meninas se dedicam a elaborar estampas criativas que unem duas paixões: a música e o cinema.

Conscientes de que a internet hoje é talvez o principal meio de divulgar um trabalho, a Mixtape toma partido do mundo virtual para fazer a sua música se propagar. Prova de que a tática funciona são os 60 mil seguidores no Twitter e os mais de cinco mil acessos diários ao material da banda disponível on-line em sites como Fotolog, MySpace e Trama Virtual, além dos sites de relacionamento Facebook e Orkut.

Batizada por sugestão de Helen, a partir do nome dado às fitas K-7 de compilações comumente gravadas pelos jovens na década de 80, a Mixtape é definida por suas integrantes como uma síntese do espírito que movia essas coletâneas: uma reunião de influências musicais. Pris define: "A gente achou que o nome era perfeito para uma banda que nada mais é do que isso: uma combinação de tudo o que mais gostam as suas integrantes".

Serviço:

Mixtape - Show de lançamento do novo single e videoclipe Eu uso.
Amanhã, às 18h, no Era Só O Que Faltava (Avenida República Argentina, 1.334).
Ingressos: Antecipados -R$10,00 e R$15,00 (na hora) + 1 brinquedo novo que será doado ao Hospital Pequeno Príncipe.Ponto de Venda: Loja Nonsense (Shopping Estação - Piso Superior). Classificação etária: livre. Informações: (41) 3342-0826 / www.fotolog.com.br/bandamixtape.

Publicada originalmente no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A arte também está nas ruas


É possível estar caminhando bem distraído pela Travessa da Lapa ou dirigir em meio ao engarrafamento contínuo da Rua Mariano Torres e jurar por alguns segundos que a rua não oferece outra coisa senão servir de passagem ao destino final. Mas basta descansar a mente para perceber algo que foge ao comportamento automático e abre outro olhar, mais atento, sobre a cidade. Inquietações e inconformismos estampados em graffitis, lambe-lambes e stencils fazem de muros e paredes suporte para uma arte urbana que converte a cidade em um museu a céu aberto.

É quase infinita a diversidade de imagens e mensagens que cobrem paredes, muros e o que mais possa abarcar um bocado de tinta. Uma frase em especial, estampada em um lambe-lambe, chamou a atenção da historiadora social Elisabeth Serafhim Prosser quando ela andava por uma rua do bairro São Francisco, em 2004: "É proibido calar catarses". "Essa é a essência da arte de rua. O que eles fazem é não calar tudo o que pensam e sentem", reflete.

Esse momento fez surgir a vontade de conhecer melhor o trabalho dos grafiteiros - ou artistas de rua. Seis anos de pesquisa se solidificaram no mais completo livro já escrito sobre a arte de rua da cidade: Graffiti Curitiba, lançado na última semana.

Depois de varar os domingos percorrendo os bairros aleatoriamente, Beth conversou com muitos artistas e conseguiu registrar 500 fotografias de muros, paredes, monumentos e prédios com intervenções de arte urbana. Posteriormente, as imagens foram classificadas em categorias, sendo os temas mais recorrentes o ambiente urbano e natural, e também protestos sobre política e sociabilidade.

À margem

As intervenções manifestadas pelos artistas no espaço urbano, explica a autora, usam a cidade como referência para expor os pensamentos de quem a habita. Consciente de que o preconceito ainda é grande, Beth acredita que ainda há muita falta de conhecimento sobre o assunto. "A gente não gosta do que não conhece. À medida que as pessoas forem conhecendo, as reações vão ser bem diferentes".

Para os que ainda pensam que graffiti pode ser confundido com vandalismo, a autora destaca que há uma diferença entre "estar à margem e ser marginalizado". "Esses artistas se colocam à margem do sistema de regras, o que querem é quebrar os padrões. Vandalismo é quebrar ônibus". O universo de expressão dos grafiteiros inclui as tags, mais conhecidas como pichação. Se os graffitis já enfrentam certa resistência, o picho então é geralmente visto simplesmente como sujeira. No livro, Beth exemplifica que a falta de interesse em "ver o que está escrito" é frequentemente questionada pela arte de rua por meio de frases como: "Você conhece a sua cidade?" ou "A arte que você odeia".

Há dez anos desenhando na cidade, o artista Paulo Auma abre o foco da discussão. "Na história da arte, muitas situações já causaram estranhamento". Ele cita a propriedade privada outro ponto fundamental quando se fala em resistência em aceitar o graffiti. Como um prédio pichado na Rua Mateus Leme, no Centro Cívico. A construção está vazia há algumas semanas e há pouco tempo apareceu com tags de cima a baixo. Paulo não condena a atitude, mas diz que essa é uma manifestação natural da metrópole, a de questionar através do graffiti, as questões da cidade. "Poucos movimentos tentam dizer que o espaço público também é seu e que pode ser ocupado. As tags chamaram a atenção para o descaso com o patrimônio que também é nosso, um prédio que estava abandonado e poderia ser útil para muitas pessoas que não tem onde dormir". Beth vê o picho como algo inofensivo, que chega, no máximo a ser uma "violência visual". "Não se trata de uma violência física, não fere realmente. Pode, sim, agredir na territorialidade, na relação da ordem e da limpeza".

Paulo conta que o graffiti começou como pichação e, aos poucos, foi incorporando outros elementos como a cor e os desenhos. Mas ele deixa claro que a intenção do grafiteiro quando faz uma tag não é chegar a um resultado "bonitinho", mas sim chamar a atenção para algo que está errado. Ele admite que a aversão a esse tipo de manifestação não tem uma resolução muito fácil. "Também não temos a intenção de esclarecer porque a sociedade não quer entender. Queremos mostrar que a rua é viva. O grafiteiro aprende a ter menos medo da cidade. Tudo depende de como você se relaciona com ela". Beth completa: "Eles se colocam à margem do sistema, o que querem é quebrar padrões. O objetivo é se divertir na transgressão".

foto DANIEL CARON
publicada no jornal O Estado do Paraná

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O fato de fato


Gilson Fukushima foi quem teve a idéia: produzir um livro de partituras com arranjos originais do Grupo Fato. "Apesar dele ter saído do Fato, ele não saiu de Fato", brinca Ulisses Galetto, feliz por tornar concreta uma idéia que, até então, não havia passado pela cabeça dos outros integrantes Greice Torres, Zé Loureiro, Priscila Graciano, Daniel Fagundes e Sérgio Freire .

Agora, a representação mental do que seria reunir partituras de 20 músicas pinçadas nos cinco CDs do grupo, está materializada em Fato: da tamancalha ao sampler, que será lançado nesta semana em um show no Teatro Paiol.

No palco serão apresentadas dez músicas que integram o livro de partituras para depois acontecer o bate-papo, no formato de um pocket-show. Em um certo momento, conta Ulisses, eles até planejaram organizar um songbook, mas a intenção não foi concretizada.

Mas a ousadia de Gilson em pensar em algo de proporções maiores arrebatou o grupo: "Ele veio falando para não fazermos só um songbook, mas um livro de partituras com todos os arranjos completos. Topamos. Foi uma trabalheira, só para um louco genial como ele é", conta o músico.

O primeiro passo de Gilson, Ulisses e Greice foi pensar nas músicas que estariam no livro, obedecendo ao critério de terem sido compostas por autores de Curitiba. Isso não foi verdadeiramente um problema para eles, já que, dos 36 compositores que o grupo já gravou, 31 são da cidade, inclusive integrantes do Fato. Depois do show desta quarta-feira - onde serão apresentadas músicas inéditas - esse número vai subir para 42 compositores, sendo 35 da terrinha.

Norteados em contemplar todos os discos do grupo - Fato, Fogo mordido, Oquelatá Quelateje, Oquelatá ao vivo, Musicaprageada - as 20 músicas refletem a dinâmica e contemplam a trajetória musical do grupo desde a década de 90.

O livro não se limita a sintetizar os caminhos do Fato, mas revela o panorama de compositores paranaenses e autores próximos da cidade que contribuíram para a história da música feita aqui.O professor, poeta e cancionista Marcelo Sandmann entrou no universo do grupo - desde o primeiro ensaio até os dias atuais -para escrever o texto que introduz o livro.

Fato: da tamancalha ao sampler vem acompanhado de um CD com as faixas sonoras com as músicas do projeto e partituras relativas a cada instrumento empregado nos arranjos. A tamancalha, espécie de "sapateador" desenvolvido por Zé Loureiro, está entre os instrumentos ao lado de outros mais habituais como guitarra, latão, baixo e calota.

"Ficou um trabalho maravilhoso. Somos muito gratos a todos que participaram da nossa trajetória. O texto, as músicas e as partituras mostram nossa gratidão a essas pessoas únicas que fazem o mundo um pouco mais alegre", comemora Ulisses.

Movimento

Com dois novos integrantes, Daniel Fagundes e Sérgio Freire, o Fato mantém os ensaios semanais desde os primórdios. Agora, a atenção dos músicos se volta para o novo disco, a ser lançado em maio de 2011, e na elaboração de novos arranjos para músicas que serão apresentadas neste próximo show.

Entre as novidades, uma parceria com Edith de Camargo. "Ela ainda não sabe, mas fiz uma versão de uma música que ela gravou", conta Ulisses, que se inspirou na seguinte frase do poeta russo Vladimir Maiakóvski para compor Maçã: "Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz".

O disco novo será um apanhado do que foi registrado nos últimos dois anos no projeto Balaio de Fato (2008) com participações de Siba, Arthur de Faria, Antônio Saraiva e Maurício Pereira e no show de comemoração de 15 anos do Fato.

As gravações vão culminar em dois CDs que ficarão prontos dentro de seis meses. O primeiro DVD também será lançado de forma independente em 2011. Sempre atento ao movimento musical independente, Ulisses tem uma convicção: "a nossa produção artística é muito vigorosa".

A observação vem depois de 14 anos apresentando o programa de rádio Fora do eixo, com acervo de dois mil discos independentes ou de pequenos selos. O convite para fazer a pré-seleção do projeto Rumos Música 2010-2012 só reforçou essa certeza.

"Fico contente em ver tanta coisa boa sendo produzida". Ele aponta Luiz Felipe Leprevost, Alexandre França, Ricardo Corona e Marcelo Sandmann como artistas que tem se esforçado em arriscar uma nova linguagem em busca de propostas inovadoras.

Serviço

Grupo Fato
Lançamento do livro de partituras e show
Nesta quarta-feira, às 20h, no Teatro Paiol (Praça Guido Viaro -Prado Velho)
Informações: (41) 3213-1340
Entrada gratuita

publicada no jornal O Estado do Paraná
foto Marco Novack/Divulgação

Da internet para o palco


Tudo começou com uma mobilização de fãs na internet interessados sobretudo em celebrar os três anos da banda Nuvens. Amandio Galvão, Guilherme Scartezini, Marcos Nascimento, Marcus Pereira, e Raphael Moraes pensavam que o último Sarau nas Nuvens seria o show derradeiro, mas foram pegos de sobressalto com a movimentação espontânea de admiradores que se comunicavam virtualmente. A comemoração tomará forma hoje e amanhã, em um show mais intimista no palco do Espaço Cultural Falec.

Depois de shows no Teatro Sesc da Esquina e Guairinha, a banda não promete um “grande espetáculo”, mas um encontro afetuoso com o público. O desejo é retomar o repertório do primeiro disco e tocar quatro músicas inéditas do novo CD, Fome de vida, em um clima de cumplicidade.

Por isso eles consideram o momento um “rito de passagem” que inclui ainda a primeira atuação do novo guitarrista Guima. “Durante essa luta de trabalhar com arte, de estar nessa busca em transformar as coisas em uma realidade, é importante observar tudo o que a gente já fez e vai fazer”, diz Raphael, a voz da banda.

Amigos, parceiros e ex-integrantes da Nuvens também vão participar da comemoração. Luis Felipe Leprevost estará no palco em Cachecol, Luva e Gorro - uma analogia a Curitiba - música em parceria com Raphael que ainda não foi gravada. Vinicius Nisi e Luis Bourscheidt, que já estiveram na banda e Marano, da banda Das Velas também fazem participações no show.

Aura transcendental

Na busca pelo verso das coisas, os músicos querem explorar o ambiente mais intimista do teatro, vislumbrando o clima que deve predominar no próximo disco. “É um tipo de momento em que a poesia da canção é valorizada”, salienta o vocalista.

Nessa procura, a idéia é gravar as bases ao vivo para captar essa aura “transcendental”. A captação, que será feita neste show, ficou a cargo de Álvaro de Alencar, colaborador de Tom Capone e que já trabalhou com Maria Rita.

O processo criativo do novo trabalho inclui uma estadia de 15 dias em uma chácara em Campo Largo, onde será gravado o disco. Por enquanto, eles finalizam as canções e trabalham coletivamente nos arranjos. O show terá direção cênica de Edson Bueno.

A questão da dualidade com que o grupo se depara nesse novo trabalho está presente nos arranjos, que passam do minimalista ao “esporro”. As letras das músicas buscam explorar os universos humanos.

O próprio título escolhido para o novo trabalho, Fome de vida, mostra o que a banda quer comunicar. “O nome representa a vontade de fazer valer os momentos da existência. Ás vezes, com a rotina, a gente se robotiza e perde essa aura de viver as coisas de verdade”, reflete Raphael.

foto DANIEL CARON
publicada originalmente no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O cinema do futuro


Um dos maiores desafios do cinema nos dias de hoje é a transição da película para o suporte digital. A transformação não se resume à substituição de todo o aparato de projeção do circuito exibidor, mas se estende também à captação, e à distribuição - um dos fatores mais beneficiado com as mudanças. Mesmo com essa revolução no modo de fazer e de se assistir filmes, o assunto ainda carece de um debate mais aprofundado. O projeto Masterclass de Cinematografia Digital - que acontece essa semana - trará grandes nomes do mercado cinematográfico ao Teatro da Caixa para discutir como essa revolução vai influenciar os rumos do audiovisual.

O interesse é em tirar o tema do papel e promover um espaço onde o aprendizado e a troca de experiências são a tônica. As aulas serão ministradas por Carlos Ebert, Marlon Klug, Bruno Ravagnolli e Fernando Lui Latorre e o encerramento terá um debate sobre inovações tecnológicas na produção e distribuição audiovisual com participação especial do sócio-fundador e criador da Rain Network e da MovieMobz, Fabio Lima. A mediação será do documentarista e pesquisador Eduardo Baggio.

A distribuição é a questão

A transição digital no Brasil traz inúmeras vantagens, talvez a mais impactante em um primeiro momento seja o baixo custo de distribuição e a consequente democratização da exibição. Quando pensamos em filmes nacionais independentes fica fácil perceber que os valores inviabilizam qualquer possibilidade de exibição: uma cópia em película de um longa-metragem de 1h40 de duração custa cerca de R$ 6 mil. Para um lançamento médio, que inclui a exibição em mais ou menos 50 salas, seria necessário desembolsar nada menos que R$ 300 mil, valor impraticável para as produções com baixo orçamento - que somam a maioria no País.

Com a distribuição de dados em formato digital todo esse processo torna-se desnecessário, reduzindo drasticamente os custos de distribuição e levando os filmes para mais salas de exibição. Tais mudanças contribuem para uma maior valorização do cinema independente, aumentando as possibilidades de inserção de novos realizadores no mercado profissional. “A digitalização é o que existe para se pensar em um cinema possível, é a base para se ter condição de uma cinematografia mais democrática”, opina Eduardo Baggio.

O documentarista acredita que o digital possibilita uma melhora na relação entre produção e exibição: hoje, do total de longas-metragens produzidos no País, apenas metade chega às salas de cinema. “A gente produz mais do que distribuí. O descompasso está aí. Claro que há outras questões envolvidas nesse processo, mas inicialmente o problema é fazer os filmes chegarem às salas”.

Entretanto, a distribuição é uma questão ainda pendente, já que a grande maioria das salas ainda não está equipada com projetores digitais. “Ainda não demos esse passo por falta de investimento”, reconhece o fotógrafo e operador de câmera Bruno Ravagnolli, o “Coroinha”, que completa: “Mas em pouco espaço de tempo vamos caminhar para isso. Acredito que em menos de dez anos 60% a 80% das salas devem ser digitais”. Para ele - que virá a Curitiba falar sobre tecnologia de captação - a tendência de crescimento dos filmes 3D pode pressionar os exibidores a investirem no digital.

Uma boa imagem

A projeção em digital é um ponto que ainda gera polêmica entre cineastas, cinéfilos e estudiosos da sétima arte. Para alguns nada substitui a aura da película, mas para outros há um certo saudosismo em rechaçar essa nova possibilidade. Uma das vantagens do digital é que a imagem não perde qualidade conforme o filme vai sendo exibido, ou seja, a nitidez de um filme feito em 2007 e exibido em 2057 deverá ser a mesma. Já a qualidade do filme em película vai se desgastando conforme a quantidade de exibições.

Mas, na prática, qual será o resultado para o público? “O método da película ainda é superior, mas vivemos um momento que está chegando muito próximo do que é a película”, diz Ravagnolli. Baggio atenta para o fato de ainda existirem diferenças estéticas entre salas com aparato digital e analógico. “Isso acontece também porque, para baratear os custos, muitos exibidores optam por projetores de baixa qualidade. Aí a imagem fica pior em digital”.

Mas com todos os pontos favoráveis ou contrários, a certeza é que o cinema muda no quesito tecnológico e não nas questões primordiais do cinema, ao contrário, gera novas possibilidades criativas só possíveis com o digital. Talvez o principal seja baratear custos e gerar mais oportunidades para a democratização do audiovisual e, como defende Ravagnolli “ajudar na educação e na cultura do País”.

Serviço

Masterclass de Cinematografia Digital. De 16 a 18 de novembro, no Teatro da Caixa (Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro, Curitiba). Horários: terça a quinta, 15h e 19h. Ingressos: R$10. Bilheteria: (41) 2118-5111 (de terça a sexta, das 12 às 19h, sábado e domingo, das 16 às 19h) www.caixa.gov.br/caixacultural.

publicado originalmente no jornal O Estado do Paraná.

domingo, 24 de outubro de 2010

Uma bola com casquinha, por favor!


Airton Serur dos Santos, 58 anos, trabalha de acordo com as estações do ano. Sua rotina, diga-se, é incomum: “No inverno descanso e no verão trabalho”. Essa variação entre o calor e o frio sacramenta o ofício que o progenitor da família, o pai Adalberto Pinto dos Santos, instituiu há 55 anos, quando abriu o Sorvetes Gaúcho.

Ele não tem do que reclamar. Busca nas recordações o tempo que passou e lembra que já foi pior. “O inverno era muito mais rigoroso. Em algumas épocas, o meu pai fechava as portas durante um ou dois meses porque ninguém queria tomar sorvete”.

Cravada na Praça do Redentor, ao lado do Cemitério Municipal, no tradicional bairro São Francisco, o antigo comércio renomeou o lugar. Hoje, o largo é mais conhecido simplesmente por Praça do Gaúcho - uma homenagem indireta ao pai de Airton, um gaúcho extrovertido de sorriso fácil.

A fama é justificável: “O meu pai era o típico gaúcho bonachão. Eu ia com ele no Mercado Municipal e ele conhecia todo mundo. Andando na Rua XV, as pessoas passavam cumprimentando”, lembra o filho com saudades do pai, que adotou Curitiba como morada durante os seus 73 anos de vida, até descansar em paz no ano de 1999.

Os irmãos de Airton - Leila, Adalberto e Marilis - enveredaram pelo mundo dos sorvetes assim, meio “sem querer querendo”. Em uma determinada época, todos seguiram para carreiras não ligadas diretamente ao legado do pai, mas acabaram se encontrando, mais cedo ou mais tarde, atrás dos antigos balcões. Depois da morte da mãe, Nádia Serur dos Santos, em 2003, são eles que tomam as rédeas da situação: a razão social agora é Irmãos Serur dos Santos.

E lá se vão 50 e tantos anos. Nesse tempo, o Sorvetes Gaúcho viu muita coisa acontecer. A profusão de casas e prédios e a construção da pista de skate mudaram o cenário do ambiente. Airton não quer ficar para trás. Com o tempo, os mais de 30 sabores de sorvetes passaram por algumas mudanças: os de café e iogurte, por exemplo, deram lugar aos sabores comemorativos como panetone e açaí, que vem acompanhado de granola e banana.

A oferta de sabores - todos produzidos por eles - também é regida pela estação do ano. “Damasco voltamos a fazer, que agora é uma época boa”.

Pregada na parede, ao lado da máquina registradora, uma fotografia do pai de Airton rende muitas histórias e lembranças. “Aquela foto é muito antiga, né? Muitas pessoas olham e nem reconhecem. Ele era bonitão naquela época, mas depois chegou a pesar 130 quilos”.

A localização ao lado do cemitério rende muitos clientes ao lugar. Dia de Finados, então, é certeza de muitas vendas. Airton conta que, dias desses, apareceu um senhor lá pelos seus 80 anos que acabava de homenagear um amigo, morto há dez anos. “Até bolo teve. Ele saiu do cemitério, veio aqui, olhou a foto e disse que conheceu o meu pai. Ficamos aqui, batendo um papo. Os antigos clientes sempre reaparecem”, diz Airton.

O menino Adalberto nasceu e cresceu em Itaqui, Rio Grande do Sul. Aos 20 e poucos, veio para Curitiba estudar Química Industrial na Universidade Federal do Paraná. Conheceu Nádia em um chá de engenharia (espécie de baile) e se casou com ela em 1951. Ele se formou, os dois retornaram para a cidade natal dele para tentar a vida em uma fazenda da família. Não deu certo. Ela, que era de Porto Alegre, não se acostumou à vida na roça.

Tiveram filhos. Aqui, a experiência da faculdade não vingou e o casal saltou sem paraquedas para o que a vida poderia oferecer. Compraram uma lotação, mas não era exatamente o tipo de trabalho que os deixava felizes. Um dia, Adalberto viu o ponto, a dita casa, para alugar e arriscou. Deu certo.

Mudaram-se com a família toda, o comércio tinha nos fundos uma casa que serviu de morada. Na frente, o Bar, Mercearia e Sorveteria do Gaúcho. Em 1976 - no mesmo ano em que foi construída a pista de skate - o casal decidiu largar mão da mercearia e do bar e apostou na sorveteria. Balcão, mesas, cadeiras e máquinas datam dessa época.

publicada no jornal O Estado do Paraná
foto: Ciciro Back

Ao som da música curitibana


Luiz Felipe Leprevost e Thiago Chaves gostam de encontros. Se for naquele esquema de festa cheia de amigos, melhor ainda. Essa característica comum foi o que levou o primeiro, poeta, músico e dramaturgo a topar com o segundo, músico e compositor. No momento em que os interesses se encontravam, apareciam os primeiros sinais do que se tornaria uma parceria.

Thiago relembra o momento: “Ele me passou uma letra pra musicar e percebemos que a harmonia acontecia”. A canção, Sonâmbulo, conta a história de um cara que está enfrentando mal a relação com o universo underground. A “letra triste”, conta Leprevost, é consequência do modo como o clima do inverno reverberava dentro deles. A temperatura refletiu, pontualmente, nas composições produzidas a quatro mãos e que, agora estão prontas para serem ouvidas.

Este é um momento que aflige a maioria dos músicos que desenvolvem trabalhos autorais em Curitiba: afinal, onde tocar? O Wonka Bar, na Rua Trajano Reis, é um desses lugares onde o foco está qualidade musical, privilegiando artistas da cidade. Há cinco anos, o endereço, no bairro São Francisco, reúne músicos, escritores poetas, atores e público em torno de uma mesma vontade.

Interessada no potencial dos artistas da cidade, a proprietária Ieda Godoy abriu as portas do Wonka com a disposição de tornar o endereço um reduto de produção cultural de qualidade. “Desde que abri o bar [em 2005], penso nessa característica, muitas pessoas começaram apresentando seus trabalhos lá”. Ela cita como exemplos o grupo Molungo, Troy Rossilho, Alexandre França, Leo Fressato e o próprio Leprevost. Copacabana Club e Bonde do Rolê são outras bandas que sempre aparecem.

Apostar na produção cultural de Curitiba não é uma novidade, mas a apuração de um universo já conhecido por Ieda - dona do antigo Bar Dromedário (fechado em 2002). “O curitibano sempre teve essa coisa de não se valorizar, mas agora estão se olhando com mais carinho para o trabalho das pessoas. Isso é lindo. É muito emocionante ver esse respeito pelo artista, essa comunhão com o público”.

O sucesso das noites é efeito do criterioso processo de curadoria a que a proprietária se dedica. “Sempre que tem algum trabalho próprio eu me interesso em conhecer. Tenho alguns critérios para selecionar e fico felicíssima quando vejo as coisas acontecerem”. Ela cita como exemplos o Copacabana Club e o Bonde do Rolê, bandas que se criaram dentro do Wonka e hoje ganharam o País.

No palco

O show iria começar às 23 horas, mas às 19 horas Leprevost e Thiago já ensaiavam o trabalho que foi apresentado na última noite de quarta-feira no projeto Homens de ferro. Um intervalo foi o tempo necessário para o papo se dirigir aos espaços que tornam possível esse trabalho.

Thiago ressalta que em lugares assim a música é expressão artística e não somente entretenimento. “Queremos mostrar o movimento. Os compositores necessitam desses espaços, onde não precisam de editais para tocar a sua música”. Leprevost completa: “Tem uma grande rede de pessoas conectadas na produção artística. A demanda existe. Queremos dialogar com a platéia com o interesse mútuo de expansão dos sentidos por meio da arte”.

Essa rede que interliga os artistas da cidade certamente contribui com a disseminação da música partindo do desejo de expressão autêntica. Em sintonia de pensamento e vontades, os parceiros Uyara Torrente (A Banda Mais Bonita da Cidade) e Raphael Moraes (Nuvens) foram convidados a incrementar o show no porão do Wonka.

O repertório, inspirado pelo inverno, desenhou um clima favorável às letras mais melancólicas, incluindo as três inéditas Pó, pó, pó; Mi, mi, mi e Assobiando apelo. A primeira, com letra e música de Leprevost, é um pequeno poema declamado com o violão no colo. Mi, mi, mi, uma parceria com Rodrigo Lemos e Ligia Oliveira, emergiu em um desses encontros, sublinha Leprevost, onde em “90% dos casos surgem canções”. Já Assobiando apelo é uma letra escrita há tempos que ganhou agora o acompanhamento da guitarra de Thiago. “É a história de um cara que está triste e as pessoas passam a não notá-lo mais. Ele foi se apagando e assobia essa melodia”, explica o autor.

publicada no jornal O Estado do Paraná
foto: Olívia D’Agnoluzzo

sábado, 2 de outubro de 2010

Intimidade superficial


Para o poeta Haroldo de Campos, a tradução de textos criativos será sempre uma recriação. Cândida Monte, Neto Machado, Eduardo Simões e Talita Dallmann se valem dessa premissa quando se apropriam da obra do escritor Valêncio Xavier na concepção da peça Engarrafados.

O trabalho, contemplado pelo Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, estreou ontem e permanece em cartaz até o dia 10 de outubro no mini-auditório do Teatro Guaíra.

Antes de fazer uma adaptação do trabalho de Xavier, a intenção foi inscrever o trabalho do escritor em um “fazer de novo”, onde a ideia principal é pensar a cena a partir de conceitos empregados por ele.

“Nossa busca não era por encenar a obra, mas perceber como ele se apropria dos elementos para dar outro sentido a eles, trabalhar com a tradução intersemiótica”, diz Neto Machado, que assina a direção ao lado de Cândida Monte.

A peça reúne as possibilidades de transposição do texto em imagem e brinca com a materialidade da palavra e suas propriedades sonoras e imagéticas. Em seus livros e filmes, o escritor mantém uma linguagem própria e bastante característica por seu hibridismo estético e pela mistura entre verbal, não-verbal e uma colagem de imagens e informações que mesclam realidade e ficção.

Influenciados pelo interesse na linguagem cinematográfica despertada pelo autor, outra referência presente na montagem é a obra do cineasta francês Jean-Luc Godard. No palco, a referência é percebida no jogo estabelecido entre ator, personagem e público. “A dupla é sempre presente nos filmes de Godard, reflete a ideia de cumplicidade, de pessoas que criam uma intimidade”, conta Neto.

A dupla, vivida por Eduardo Simões e Talita Dallmann, estabelece uma relação instantânea: eles não se conhecem, mas decidem fazer um trato e criam uma intimidade do superficial.

“Não é o drama, não é nada pesado. É aquela liberdade do dia-a-dia, escovar os dentes na frente do outro, não se preocupar em dizer bobagens, não ter censura entre um e outro”, o diretor completa, explicando que o pacto avança sobre o público, que se conhece simultaneamente.

A atmosfera criada pelo diretor francês ainda é referenciada no palco através de filtros distintos de filmagem, alterando diretamente a maneira como a cena é vista.

Filtros de cor e trocas de roupas entre os personagens concretizam esse conceito. Nesse processo também se destaca a importância da organização dos elementos em um contexto dramatúrgico, uma disposição sutil, que quase oculta a importância da ordem que se estabelece.

Trajeto

A primeira faísca de onde surgiu a ideia para a concepção de Engarrafados veio em consequência de um projeto sobre o poeta Manoel de Barros. A pesquisa resultou na peça Descoisas, pré-coisas e, no máximo, coisas, que estreou em 2006.

Com direção de Cândida Monte e com os atores Luiz Bertazzo e Talita Dallmann, a montagem sublinhava a potência imagética dos textos ao manter o foco sobre o raciocínio do poeta.

O processo de pesquisa de Engarrafados teve início em 2008 e incluiu pesquisas em filmes, textos e trabalhos acadêmicos sobre Valêncio. A primeira montagem com o nome de Manual de instruções para um homem engarrafado estreou em 2009 e participou da Mostra Cena Breve.

Para Neto, esse período foi fundamental para olhar o trabalho com mais distanciamento. “Queríamos repensar a peça para saber o que faria sentido dizermos hoje”.

Serviço

Engarrafados. Em cartaz até 10 de outubro, no mini-auditório do Teatro Guaíra (Rua Amintas de Barros, s/n.º, Centro). Quarta a domingo, às 20h. Ingressos: R$10. Telefone: (41) 3304-7982. Não recomendado para menores de 14 anos.

foto Alessandra Haro

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Uma viagem pelo imaginário grego


Há dois anos, desde que foi convidado por Nena Inoue para dirigir uma leitura do texto Metaformose - Uma viagem pelo imaginário grego, de Paulo Leminski, o diretor Edson Bueno vem atravessando os dias movido pela vontade em levar a obra aos palcos.

O que o atraiu foi a idéia dinâmica de mutação e a aproximação com a experiência individual de cada um que Leminski procura recortar em sua fabulação dos mitos gregos.

Transportado para o palco, a montagem recebeu o título Metaformose Leminski: reflexões de um herói que não quer virar pedra, acrescentando mais um capítulo a uma trajetória onde os grandes escritores, mais do que venerados em suas formas originais, ganham novas leituras. A estréia é nesta quarta-feira, no Guairinha.

Durante os ensaios, sentimentos e experiências dos atores foram colocados em contato com a literatura de Leminski e com os mitos representados na montagem: Édipo, Medusa, Eco, Narciso e Afrodite.

Fugindo da lógica linear, a peça busca uma comunicação que transcenda o imediatismo do consciente para se inscrever nas camadas da imaginação. "A coisa que o Leminski mais valorizava é o que a mitologia nos dá como possibilidade de imaginação. A finalidade da mitologia é essa, a de abrir a imaginação", conta Edson Bueno.

Ele acredita que a proximidade com questões individuais inerentes a todos estabelece uma conexão proveitosa. "É uma reflexão sobre o impacto que a mitologia tem dentro na gente. Mesmo que a pessoa não conheça nada sobre o assunto, ela é movida por Édipo, Medusa, Miniaturo".

Processo criativo


A própria essência heterogênea do texto, revela o diretor, abriu caminhos para o processo mais colaborativo que ele já experimentou até então. "Seria pouco leminskiano eu montar o texto como estava na minha cabeça. Tinha que abrir a porta da percepção do elenco, pra que eles também se poetizassem, se manifestassem, abrissem o coração", diz o diretor.

Como toda a experiência nova, o processo onde todos participam da criação foi incorporado com maior ênfase pelos integrantes do Grupo Delírio neste trabalho. "Teve muito erro, teve muita batida de cara na porta, a gente foi e voltou muitas vezes. Muitas coisas propusemos e depois desistimos. O espetáculo sempre vai se transformando".

Resultante de um exercício de liberdade cênica, o trabalho foi concebido mantendo o foco na palavra. Na peça, a obra do poeta se configura em uma representação contemporânea sobre a mitologia.

"O que eu acho que tem de mais belo no Leminski é a sua literatura, a forma como ele escrevia, como ele trabalhava com as palavras. Elas não são só significados, são sons, sonoridade. A alma desse espetáculo é a palavra", salienta o encenador.

Grandes escritores

Nos últimos anos, o Grupo Delírio tem focado a seu trabalho tomando como base a palavra de grandes escritores como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe e Franz Kafka.

Há cinco anos, em Capitu -Memória editada - uma adaptação da obra Dom Casmurro de Machado de Assis - o diretor reconta a história machadiana através da ótica de Capitu, a personagem feminina do romance.

O escritor norte-americano Edgar Allan Poe foi representado no palco na montagem de Projeto poe: o corvo, em 2006. O poema O corvo e os contos O gato preto e A queda da casa de Usher serviram de base para a dramaturgia.

Em 2008, uma releitura do Oitavo poema do guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa resultou na peça Evangelho de São Mateus, marcada pela quebra da quarta-parede. O espetáculo coloca a criatura humana em primeiro plano enquanto rituais milenares como o de fazer o pão, comer e beber o vinho são celebrados.

No ano passado, o grupo se encontrou com o universo do escritor Franz Kafka na montagem Kafka - Escrever é um sono mais profundo do que a morte. A peça faz alusões a obras como O processo para adentrar na infância sombria e atormentada do pequeno Franz Kafka.

Serviço


Metaformose Leminski: reflexões de um herói que não quer virar pedra. De 15 a 26 de setembro, no Auditório Salvador de Ferrante -Guairinha (Rua Quinze de Novembro, s/n.º, Centro). De quarta-feira à sábado às 20h e domingo às 19h. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada).

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O ano de Angela Ro Ro


2010 foi um ano de dupla comemoração para Angela Ro Ro: aos 60 anos e 30 de carreira, ela renuncia os excessos envolvendo drogas e álcool e busca saúde, paz, amor e dinheiro "para fazer arte e amor a vida inteira". O seu canto sem artifícios, formado mais por instinto do que técnica, se alia à personalidade potente de uma das maiores cantoras e compositoras da música brasileira.

O primeiro álbum, intitulado Angela Ro Ro, veio em 1979 e já lhe rendeu o título de "a sensação do ano" em meio aos críticos da época. Ainda nesse ano, Maria Bethânia gravou sua composição Gota de sangue no LP Mel, a primeira a ser registrada por outro artista.

Dessas três décadas dedicadas à música, emergiram 11 discos -o último uma compilação ao vivo gravado em 2006 - e um DVD. Neles, estão registrados clássicos como Amor, meu grande amor (gravado também pelo Barão Vermelho), Não há cabeça e Raiado de amor.

O Estado do Paraná: Como foi trabalhar no período em que você estava no auge de sua crise, nos anos 80 e 90?

Angela Ro Ro: Passei por crises de obesidade, generosidade, paciência, luto de meus pais, parentes e amigos e a dor maior, que é a crise mundial que a todos pertencemos. Sou eu que estou respondendo, portanto, trabalhar em período de qualquer crise fica exposta uma dificuldade maior ao exercer seu ofício.

O Estado: Nesta época, como era a sua relação com as gravadoras?

Angela: Na década de 80, quando comecei a gravar meu trabalho musical aqui no Brasil, foi muito produtivo pois estava contratada pela Polygram, hoje Universal, o que me rendeu meia dúzia de discos, que desde o primeiro já havia me dado a sorte da consagração, público e crítica, como cantora e compositora de grande qualidade. E na década de 90 mesmo passando por dificuldades enormes pessoais, fiz um maravilhoso disco Nosso amor ao armagedon pela Som Livre, co produzido por mim e por Ezequiel Neves, tive a oportunidade de gravar várias faixas pela Lumiar, de Almir Chediak, para diversos SongBooks de Chico Buarque a Braguinha, inclusive tendo a honra de ser premiada pelo jornal Folha de São Paulo como melhor intérprete na música Futuros amantes de Chico Buarque. Assim foi....

O Estado: O Ruy Castro escreveu no livro Ela é carioca, que você estaria "no poder", se tivesse investido na música metade da energia investida em confusões. O que você acha das afirmações?

Angela: Adoro o Ruy Castro! Realmente passei minha mocidade sem me engajar na luta da ganância pelo poder. Mas é uma excelente idéia, agora que mais madura, reverter essa situação politicamente.

O Estado: Qual o melhor elogio e a pior crítica que já recebeu?

Angela: Minha mãe, Conceição, sempre me cobriu dos melhores elogios. Já que sou filha única, mamãe dizia que apesar de qualquer merda que eu fizesse em minha vida, deveria eternamente saber a pessoa maravilhosa e honesta que sou. A pior crítica deve ter sido qualquer elogio falso.

O Estado: O que te inspira a compor?

Angela: Qualquer coisa, sentimento, natureza.

O Estado: Quais das suas músicas você considera mais especiais. Por que?

Angela: Todas de uma certa forma são especiais, como um filho, mas é claro que existem Fogueiras, Gotas de sangue....

O Estado: Que formas de incentivo e investimento você acha que faltam no meio musical atualmente?

Angela: Grana em direção ao talento pois é sordidamente assistir a miséria de profissionais competentes, artistas, gênios.

O Estado: Você acabou de completar 30 anos de carreira. Como analisa a sua trajetória musical nesse período?

Angela: Sou uma pessoa agradecida pela vida ter me dado o dom do verso, reverso da dor da vida. É genial saber fabricar arte.

O Estado: Como foi ter sido convidada para apresentar o programa Escândalo, do Canal Brasil? O que essa experiência rendeu a você?

Angela: Foi um barato, o pessoal do Canal Brasil me acolheu e me ensinou muita coisa boa. Foi uma experiência única o programa Escândalo. Volto a qualquer hora......

O Estado: Quais foram as suas últimas descobertas musicais?

Angela: Quando fui convidada, por Marcelo Fróes, produtor aqui do Rio, para gravar o disco Mrs. Lennon, um CD só de cantoras com canções da Yoko Ono, descobri um lado surpreendente na composição das músicas da tão polêmica viúva de John Lennon.

O Estado: Que cantoras mais admira e porque?

Angela: Billie Holiday e Elza Soares pelas mesmas razões: a coragem, a humildade, a ousadia e o dom. Maria Bethânia, Gal Costa, Alaíde Costa, Alcione e Ana Carolina, pela beleza do canto, revolução comportamental, sensibilidade e inteligência.

O Estado: Quais os seus próximos planos?

Angela: Ter muita saúde, paz, amor e dinheiro para fazer arte e amor a vida inteira.

Publicado no jornal O Estado do Paraná.

domingo, 29 de agosto de 2010

A criação de Zaqueu


O Teatro Paiol, árvores e ruas de paralelepípedo compõe o ambiente que cerca a Rua Almirante Barroso, no bairro Rebouças, em Curitiba. Mesmo próxima do centro, a tranquilidade da via harmoniza com a arquitetura antiga da casa bege, lugar onde se concentram as atividades do Grupo Obragem de Teatro durante as manhãs da semana.

Na entrada, a parede branca destaca o cartaz que lista as atividades realizadas no projeto Dossiê Buchner - pesquisa e montagem, contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2009.

O projeto, realizado ao longo de oito meses, culminou na montagem da peça Zaqueu, da qual pude acompanhar um ensaio há mais ou menos dez dias. A ansiedade do grupo agora é para estrear, amanhã, no Espaço Dois. Neste novo trabalho, os atores revezam a interpretação de personagens e mostram os procedimentos adotados para a criação.

Voltando ao dia do ensaio: a sala grande com que nos deparamos logo ao abrir a porta é o estúdio: testemunha do envolvimento com que os seis integrantes encaram o processo criativo.

“Pode sentar aqui”, Olga Nenevê, a diretora, oferece uma almofada e uma mantinha (o dia está frio) para que a acomodação seja confortável. A Edith de Camargo, responsável pela trilha sonora, já está sentada com caneta e bloquinho a postos e os atores se preparam para dar a passada.

Olga é casada com o ator Eduardo Giacomini e, juntos, eles compartilham a casa - cozinha, quarto, sala, banheiro, varanda e quintal - com os outros quatro atores da companhia: Elenize Dezgeniski + Fernando de Proença + Ronie Rodrigues + Vanessa Vieira. A morada ainda abriga os gatos Chimu e Melie.

Sozinho, Fernando de Proença entra em cena carregando casacos em um dos braços, caminha devagar pelo espaço retangular e, cuidadosamente, dispõe as vestes no chão em cada canto da sala forrada com linóleo.

Fala: “Nota de esclarecimento: estou confuso e inadequadamente sensível esta noite. De todas as minhas auto-representações nenhuma me ocorre agora. O fato é que olhei imagens que revelaram pedaços meus.”

Neste momento ele é Zaqueu, o filho, em outros encarna Angélica, a mãe. Na busca de uma satisfação inalcançável, eles se mostram incapazes de superar o vazio de suas vidas e acabam por perderem-se um ao outro e a si mesmos.

A brincadeira envolvendo o ator com o personagem e a experiência do revezamento de um pelo outro é compartilhada com os outros atores, criando várias camadas de representação.

“As trocas revelam os diferentes modos com que cada um atua. Não queríamos fechar os personagens em um só recurso, mas dar a ele algumas características que unissem essa figura”, diz Olga. “Engraçado essa palavra “fingem’, porque a coisa aqui é, no fundo, um fingimento”, diz uma das falas de Angélica, a mãe.

Olga retoma: “O Zaqueu é a metáfora de um corpo marionete. Fala sobre a relação do ator com o personagem”. Para os atores, tudo se transfigura em um posicionamento muito particular em cena.

“A experiência nos fez pensar no modo como construímos os personagens. O olhar externo nos fez pensar em como queremos falar sobre encenação”, contribui Elenize.

Com Zaqueu, a terceira peça de uma trilogia, o grupo aprofunda sua pesquisa sobre a morte e sobre as questões da representação, iniciadas com as peças Passos, de 2008 e O inventário de Nada Benjamim, de 2009.

Criada a partir da seleção de notícias de jornal, a peça apresenta um retrato sensível da nossa sociedade e retrata a vida privada atravessada pela violência do comportamento social.

A junção das histórias se desdobrou em imagens e diálogos que sugerem uma percepção mais afetiva de um cotidiano cruel que permanece sufocado em páginas policiais. A busca é por aprofundar questões dessa realidade e investigar a sua tridimensionalidade.

“É um tema bem difícil de trazer para o teatro e é impressionante como vocês conseguiram dar um acabamento com tantos elementos diferentes. É um projeto muito coerente”, opina Edith, musicista que já trabalhou em muitas peças do grupo.

Ela vêm trabalhando desde o começo do projeto com as aulas de canto, que possibilitariam aos atores cantarem em cena, uma vontade antiga da diretora que foi concretizada agora.

“A transposição da palavra escrita para a falada em busca de sonoridade originais apareceu em muitos trabalhos. Mas o canto nunca chegou de forma tão acabada, vinha mais como uma sugestão.” Para Olga, o canto chega para distanciar o olhar da crueza da cena, é “um salto poético no meio do caos.”

A conversa que tivemos ao final da peça sublinhou como a percepção do cotidiano enfrenta obstáculos que atrofiam as subjetividades no entendimento do que ocorre com o outro.

Qual é a fragilidade de uma mãe que precisa acorrentar o filho viciado em crack dentro de casa? Como uma mulher desapareceu no meio do centro da cidade sem ninguém ter visto?

Serviço


Zaqueu.Teatro Espaço Dois - Rua Comendador Macedo, 431.De 27 de agosto a 12 de setembro. De quinta a sábado às 21h e domingo às 19h.Ingresso: R$ 10,00 (inteira).

FOTO Elenize Dezgeniski
publicado no jornal O Estado do Paraná.

Um multiartista à procura de simplicidade


Parece que até o número da barraca foi escolhido especialmente pra ele: "51, uma boa idéia!", diz Hélio Leites, confiando que não se trata de uma coincidência o lugar que ocupa na feirinha do Largo da Ordem todas as manhãs de domingo. Contrariando a correria delirante do típico ponto turístico de Curitiba, o artista enxerga beleza em cada detalhe ao seu redor.

Hélio é um criador de múltiplas artes: esculturas minimalistas, performance, poesia, teatro e contação de histórias. Um micro mundo feito de "personagens" de palitos de fósforos, botões, bonés e latas de sardinhas.

O "Rei do botão" é um contador de histórias e se vale dessa sua capacidade de imaginar para criar metáforas em lugar de descrever as coisas com rigor e precisão.

A movimentação na sua barraca não cessa - o que chama a atenção à primeira vista é a beleza das obras, ou "inutensílios" (como ele mesmo gosta de chamar). Depois de se aproximar e ficar por, ao menos meio minuto, somos envolvidos pelas suas palavras e causos sobre as coisas do mundo. "Todo o esforço recompensa, às vezes não é com dinheiro, mas com um lindo céu azul", diz, olhando para cima.

Aos que chegam, ele presenteia com um botão, "mas não é botão de roupa, que serve para juntar duas partes de tecido. É um botão que tem a função de unir as pessoas", esclarece o artista. E também o formato não lembra o artefato tradicional, o micro botão é um pequeno pedaço de papel adesivo com desenhos que lembram um amuleto.

Tem gente que diz que dá sorte, outros guardam pela delicadeza do gesto ou pelos desenhos, como o do poeta Fernando Pessoa ou do trabalho Marinhas - Arqueologia da morte, do fotógrafo Orlando Azevedo.

Quase tudo pode servir de base para ele sacar respostas criativas frente ao engessamento dos fatos do dia-a-dia. "Uma vez um cara passou por aqui, me deu um vidro de remédio vazio e perguntou se eu poderia usá-lo para alguma coisa. Daí eu fiz o santo remédio", conta, mostrando o vidrinho com uma mini-escultura de um santo dentro do conta-gotas.

Ainda no setor de "medicamentosos", ele inventou a injeção psicolúdica ou injeção de ânimo recheada com uma miniatura de São Francisco. "Você é maravilhoso", diz um homem que se acumula em meio a tantas pessoas para conhecer o trabalho do artista.

"O Hélio é iluminado, é pura compaixão. E o melhor é que ele nos faz dar boas gargalhadas", diz Christiane Mikoszewski, vizinha de barraca que fabrica sandálias orgânicas.
Arquivo
Todas as manhãs de domingo, artistas e amantes da cultura artesanal se reúnem na feirinha do Largo da Ordem, em Curitiba.

A própria figura dele diz muito sobre essa personalidade singular. O impagável topete grisalho, outro personagem de suas performances, está quase debutando. São 14 anos cultivando o pedaço de cabeleira que, por vezes, fica escondido no boné e, em outras, salta de lá feito uma caixinha-surpresa.

Os feitos do "significador de insignificâncias" adicionam sabedorias poéticas ao cotidiano caótico. Ele é o criador do Museu do Botão, um micro museu itinerante instalado em uma capa cravejada de botões, da ASSINTÃO (Associação Internacional dos Colecionadores de Botão) e é um dos fundadores da Escola de Samba Unidos do Botão.

Outra criação é a Igreja da Salvação pela Graça cujo lema é "Deus é humor!" O hinariador é o músico Carlos Careqa, a ogan é a artista Katia Horn, tendo a "Rainha dos papéis" Efigênia Rolim como madrinha e Hélio como pregador de botão.

O último "culto anual" aconteceu no ano passado e terminou por força das circunstâncias, como explica Hélio: "As pessoas levavam um baque ao descobrir que Deus também é humor, então preferimos encerrar as atividades. Agora pretendemos lançar um CD para que o culto possa ser feito em casa".

Com a sua gentileza, a proposta do artista é ver e mostrar o que mais ninguém percebe, com o humor refinado e os esforçados jogos de palavras. Em um artigo, Paulo Leminski escreveu sobre o artista com essa característica de um homem que não se prende aos padrões estabelecidos: "Moderníssimo, fundindo gesto e performance com o emprego de material reles (perdão meus botões!) e "mail-art', Lete (e a Assintão) vai conduzindo uma das experiências criativas mais importantes que tenho visto por aí, bem mais instigante e original que muitas vernissages de artes plásticas que não vão além do simples artesanato (ou industrianato, em muitos casos...)." Leminski termina o texto com uma irônica profecia: ""Ontem, o botão. Hoje, o assobio. Amanhã, o mundo".

publicado no jornal O Estado do Paraná.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Moda alternativa em um único bairro


Há alguns anos o bairro São Francisco, cravado no setor histórico de Curitiba, foi ocupado por lojas e bazares onde jovens estilistas promovem uma efervescência criativa no mercado da moda.

Eles querem distância das grandes redes de fast-fashion - lojas de departamentos que produzem roupas em série, para se aproximar de produção autoral e exclusiva, que alia moda e arte.

Quem caminha pelas ruas estreitas do bairro, especialmente no corredor entre o Largo da Ordem e a rua Trajano Reis, percebe a movimentação. São lojas com fachadas descoladas que chamam a atenção para produtos alternativos que atendem um público exigente na busca por tendências que fujam do padrão de mercado.

Um desses lugares, o maior e mais chamativo da região, é a Galeria Lúdica: espaço conceitual que alia moda, arte, design e gastronomia. Fincado na esquina das ruas Inácio Lustosa e Duque de Caxias, o sobrado colorido combina espaços híbridos como café-bistrô, galeria de arte, loja conceitual e escritório de criação.

A intenção do coletivo de artistas responsável pelo projeto é formado por Débora Mello (arquiteta), Felipe Pedroso (publicitário) e Michele Micheletto (designer de produtos e fotógrafa), Naty Fogaça (estilista) e Cláudio Celestino (artista plástico).

"Moda e arte são áreas que se interligam, uma serve de referência para a outra. Acreditamos nesse novo conceito", afirma Felipe Pedroso. Pelas mãos e mentes desses criadores surgiu também a ideia do Mega Bazar Lúdica (MBL) - um novo conceito em entretenimento que reúne cultura contemporânea, música, diversão, artes, design, compras e ação social.

Ocupando a Casa Vermelha no Largo da Ordem, o evento chega à sétima edição e já está inserido no calendário cultural da cidade. São duas edições anuais, nos meses de junho e dezembro.

O MBL apresenta variedades de estilos em mobiliários, roupas, acessórios e objetos de arte. O propósito é apostar na criatividade como matéria-prima, além de divulgar o trabalho de seus expositores e parceiros.

Esse movimento para fazer emergir um cenário alternativo de moda já tem ações concretas que envolvem trinta pontos comerciais da região.

Os integrantes do coletivo se uniram para criar um mapa do São Francisco, que serve como um guia sobre as lojas, bares, ateliês e cafés das redondezas.

A primeira edição teve uma pequena tiragem, mas a segunda terá o apoio da Secretaria Municipal de Turismo.

Brechó vintage

Depois de frequentar quase todos os brechós espalhados por Curitiba e municípios vizinhos, foi que Márcio J. Oliveira decidiu transformar a paixão por roupas vintage em profissão.

Foi assim que surgiu a Colete & Corselet, marca que reúne o que de melhor existe em roupas, acessórios, bolsas e sapatos "antigos de verdade".

Márcio sempre gostou de vestir roupas de brechó dá algumas dicas para quem tem dúvidas sobre combinações: "O legal é fazer um look misturando uma peça nova com outra vintage. Como são roupas realmente antigas existem tecidos únicos e cortes que não se fazem mais. O grande diferencial é a garantia de uma roupa exclusiva".

O trabalho para conseguir as peças é árduo e envolve, além do olhar atento, um conhecimento geral dos melhores lugares onde encontrá-las. Depois, ainda há o cuidado em lavar as peças e corrigir eventuais imperfeições. A Lisa Simpson, estilista da marca Agente Costura, dá uma mãozinha para customizar e deixar tudo ao gosto do cliente.

O que faz da marca ainda mais charmosa é a forma de comercialização. Márcio abre as portas do seu espaçoso apartamento, na Rua São Francisco, para os clientes conhecerem o seu trabalho. "Quem quiser liga antes para marcar um horário, conhece as roupas e ainda aproveita para tomar um café".

Uma parte do "acervo" da Colete & Corselet ainda é comercializada no Salão Lolitas, na Rua Trajano Reis, e na Garagem Agente Costura, na Rua Jaime Reis, onde Lisa cria e customiza peças, visando a reciclagem como alternativa para a moda atual.

Tendências da moda realmente importam pouco para esses criadores, que se movimentam em uma direção contrária às "regras" do mercado. A vontade aqui é de unir ideias que respeitem as características artísticas individuais e, com isso, tornar mais próximo o contato entre criadores e público.

Serviço

Colete & Corselet: para agendar uma visita, ligue para o Salão Lolitas: (41) 3224-8115 ou 3076-4700.
Galeria Lúdica: Rua Inácio Lustosa, 367. Telefone: (41) 3024-8114.

foto ANDERSON TOZATO

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Couve-Flor parte de Tim Burton para criar trabalho "6 por 1/2 dúzia"


O excêntrico conjunto de personagens criados por Tim Burton permitiu aos integrantes do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial uma releitura que ultrapassa a representação fantástica para se inscrever no corpo. A proximidade com os personagens sombrios e peculiares do cineasta culminou nas criações de seis solos registrados em "6 por 1/2 dúzia", trabalho que será apresentado de hoje até o dia 27 no TUC (Teatro Universitário de Curitiba).

Na verdade, o que será mostrado nestas três semanas faz parte de mais de um ano de envolvimento com o trabalho de Burton, que teve início com a leitura do livro "A morte melancólica do rapaz ostra & outras histórias". A idéia dos solos já vinha sendo amadurecida antes mesmo da montagem, em fevereiro deste ano, de "O Rapaz e a Rapariga:Peça de Pessoa, Prego e Pelúcia" também inspirada nos personagens do cineasta que ocupou o palco do Teatro Novelas Curitibanas.

Um desdobramento da pesquisa rendeu material para o novo projeto, onde os “couves” dirigem o olhar para desenvolver os personagens individualmente e acentuar pontos que poderiam ser mais e melhor explorados.

A dupla que estreia é Ricardo Marinelli com "Se ele fosse outra coisa não seria muito diferente"; e Gustavo Bitencourt com o solo "Pig Lalangue". A segunda semana segue com apresentações de Cândida Monte com "Magda", uma menina magnética que mora em uma geladeira; e "Mood" de Neto Machado com seu monstro que altera formas e cores. Na última semana, Elisabete Finger e Michelle Moura dividem a noite para apresentarem "Bestiário" e "Cavalo", respectivamente.

Antes do interesse em pesquisar a obra do cineasta, uma coincidência acabou direcionando o coletivo para a forma bizarra dos seres surgidos da mente do norte-americano. Primeiro, veio a constatação que os últimos trabalhos vinham sendo motivados pela vontade em criar ambientes a partir da materialidade da cena. “As criações se desenvolviam por meio da relação do corpo com objetos de cena, o que sugeria uma ligação sensorial específica com cada coisa”, aponta Ricardo Marinelli.

Depois, a coincidência: mesmo distantes geograficamente, alguns integrantes do coletivo compraram o livro de Burton para presentear outros. A percepção de que a obra do cineasta dialogava com as questões presentes no trabalho do Couve-Flor ficou clara. Essas questões se desdobraram nos personagens da peça, que, por sua vez, foram aprofundadas nos solos.

Solos de estreia

Ricardo aprofundou as suas questões fundamentando o trabalho na ambiguidade fragilidade x força e explorando mais o universo ácido do que o bucólico. Isso se revela na imagem das facas incrustadas no corpo: no início, cobertas por roupas, parecem sair da sua própria pele. Mas, em um segundo momento, o bailarino tira a veste e deixa transparecer como os objetos estão fixados no corpo. “Existe a metáfora da relação com o outro. Com facas cortantes, como acontece essa aproximação?”, questiona.

Em formato de “stand up”, um homem conta uma história em um idioma que não existe. Ou melhor, existe, mas na criação do trabalho de Gustavo, que estruturou o solo criptografando a sua intimidade em uma língua inventada. Para continuar com o que havia experienciado com o personagem da peça, ele foi a fundo na pesquisa que resultou no “novo” idioma. “Estudei esperanto para ver como é a formação. Foi um processo de adaptar algumas palavras e inventar outras pela associação livre. Parece quase compreensível”, conta Gustavo.

A intenção do bailarino é buscar um jeito de lidar publicamente com a fala de uma forma parecida com o que acontece em um sonho, onde as palavras são metáforas para outros significados. Além da linguagem de “stand-up comedy” o solo dialoga ainda com o cinema de David Lynch e com a música de Ennio Morricone, presente na trilha sonora.

Para explicar como pode ser a sensação de ouvir sem entender, Gustavo conta uma situação que viveu em Budapeste, sem entender uma palavra húngara. “Me pegava rindo de piadas que eu não entendia, criando possíveis significados”. A ideia é justamente essa: que o público fique livre para fazer as associações que quiser.

Serviço


6 por « dúzia - criações autônomas compartilhadas. A partir de hoje até 27 de agosto, no TUC (Teatro Universitário de Curitiba) - Galeria Júlio Moreira, Largo da Ordem, em Curitiba. De quarta a sexta-feira, às 20h. Sessão extra na sexta, às 17h. Obs.: A cada semana serão apresentados dois solos distintos. Artistas criadores: Ricardo Marinelli e Gustavo Bitencourt (de 11 a 13 de agosto); Cândida Monte e Neto Machado (de 18 a 20); Elisabete Finger e Michelle Moura (de 25 a 27). Ingressos a R$10, à venda no local.

FOTO daniel caron

MEIA DÚZIA DE MÚSICA


Nos anos 90, a Revista ShowBizz batizou Curitiba como a Seatle brasileira. A declaração veio em razão da explosão da cena musical independente que lotava cada metro quadrado dos porões da cidade. Vinte anos depois, os reflexos do que foi produzido naquela época se abrem para um horizonte ainda maior, onde a diversidade musical não encontra barreiras.

Conhecedores da quantidade de bandas com projetos autorais relevantes, o trio formado pelo produtor musical Virgílio Mileo e pelos músicos Vladimir Urban (Sick Sick Sinners) e Emanuel Moon (Relespública) vêm matutando, há três anos o projeto Gravando Curitiba - realizado por meio do edital Bandas de Garagem 2010 da Fundação Cultural de Curitiba.

A ideia se sustenta em divulgar o trabalho de 12 novas bandas locais a partir de gravações em estúdio de EPs com cinco músicas. Os resultados serão apresentados a partir do final deste mês em uma série de seis shows gratuitos a partir do dia 28 deste mês, no TUC - Teatro Universitário de Curitiba.

Entremeado por diferentes estilos - alternativo, rock'n'roll, pop, psychobilly, reggae e rock instrumental - os grupos escolhidos desenham um panorama do que está sendo produzido em Curitiba.

Depois da árdua tarefa de seleção, as escolhidas foram: Bringtom, Manawaii, Pitecantropo, Te Extraño, Negomundo, LPs, Ecos, A Quarta Parede, O Trilho, Pão de Hambúrguer, Planadores e Cwbillys.

O encontro desses grupos forma um conjunto de sons diferentes entre si mas que, coletivamente, constroem a cena atual das bandas independentes. O que vai permanecer deste momento na memória musical da cidade e dos cidadãos é graças à ampla abordagem de estilos.

Abraçados à equação arte+produção+divulgação, os idealizadores são unânimes: para se colocar no circuito, os músicos precisam esparramar o olhar para além das funções essencialmente artísticas.

"Às vezes a banda é super boa, mas não tem um material gravado com qualidade para apresentar", sintetiza o músico Vladimir Urban. "Cuidar de uma música é como cuidar de um filho, ela nasce e precisa de um acompanhamento. Em Curitiba isso é difícil porque não existem produtores musicais, ainda não existe essa mentalidade".

O reflexo da falta de profissionais de produção é que muitas bandas acabam isoladas, sem despontar no cenário musical nacional. "Curitiba já foi a Seatle brasileira, mas hoje não tem mais bandas estouradas".

A sugestão dos três músicos é resgatar essa mentalidade, unindo todas as ferramentas necessárias para uma divulgação eficiente. Um dos pontos chave nesse assunto é a internet.

Assim, Virgílio, Vladimir e Emanuel decidiram abrir o processo artístico - ou pelo menos boa parte dele - em um site. Na forma de um blog, o www.gravandocuritiba.com.br converge informações das bandas, fotos, releases e músicas para download. A página também vai transmitir, em tempo real, os shows no TUC.

Nas últimas semanas, o Studio Audio Stamp, no Alto da XV, é o espaço onde algumas da dúzia de bandas estão tendo a experiência de gravar pela primeira vez.

É de lá que vai sair o material que será levado às rádios, TVs, gravadoras e produtores de shows. Em formato de um boxe com todos os discos, o compêndio será distribuído ainda a festivais de bandas independentes de todo o País.

O estúdio também funciona como um QG: nos encontros, idéias e opiniões são colocadas na mesa e o trabalho coletivo impulsiona o projeto. Foi assim que surgiu a concepção estética do material gráfico criada por FF, músico da banda A Quarta Parede.

A arte padrão dos discos busca uma ligação com a cidade ao apresentar fotos de ônibus do transporte coletivo, sendo uma cor diferente para cada banda. O contato das bandas entre si vai acontecer também no palco: os shows -que seguem até o dia 29 de outubro - reúnem duas bandas a cada dia. "Isso dá um caráter de mistura mesmo. O público de uma banda vai pode conhecer o som da outra no mesmo local", completa Moon.

Shows


Os músicos lamentam o fechamento de casas de shows importantes na cidade, como o Espaço Cultural 92 graus. De propriedade de JR Ferreira, o lugar conhecido como "o porão mais rock de Curitiba" recebeu o último show em dezembro de 2005, depois de 14 anos de funcionamento.

O 92 foi um desses lugares abertos à experimentação, onde se apresentavam bandas não só as curitibanas, mas de outras cidades e até algumas internacionais.

A casa abrigava o mais antigo festival de música independente brasileiro, o National Garage, com as principais bandas do circuito na época. As primeiras edições foram em 1992 e, no ano de fechamento do espaço chegou a reuniu cem bandas em dez dias.

"Foi uma perda muito grande para a cena alternativa. Mas ainda assim temos outros lugares legais para tocar na cidade, como bares e casas noturnas", diz Moon, que cita o exemplo do Kubrick Bar, na Rua Trajano Reis, que recebe as bandas aos sábados, "dia internacional dos shows".

Serviço:

Shows no TUC.
Galeria Júlio Moreira, s/n.º -Largo da Ordem, a partir das 20h.
Dia 28 de agosto: Bringtom e Manawaii.
Dia 11 de setembro: Pitecantropo e Te Extraño.
Dia 25 de setembro: Planadores e LP's.
Dia 09 de outubro: Ecos e A Quarta Parede.
Dia 23 de outubro: O Trilho e Pão de Hambúrguer.
Dia 29 de outubro: Negomundo e Cwbillys.

por PAULA MELECH
fotos DANIEL CARON
publicado no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Não é samba de raiz, é samba da árvore inteira


Este é um mês especial para o grupo Serenô: às portas do aniversário de três anos, eles decidiram apostar em um repertório de composições autorais no show Serenô S.A. - Sambas e afins, que será apresentado hoje, no Sesc da Esquina. É uma boa chance de ver os desdobramentos do trabalho de pesquisa do grupo, que aposta na liberdade artística e na vivência pessoal dos sete integrantes.

No grupo, as habilidades de cada um se dirigem para um mesmo ponto - o de fazer um samba que se deixa contaminar por experiências diversas e tem a liberdade de transitar sem medo por outros gêneros musicais. Roseane Santos (voz), Eduardo Gomide (voz e violão), Gustavo Proença (voz e percussão), Fernando Lobo (voz e percussão), Raphael Araújo (percussão), Manchinha (gaita ponto), Érico Viensci (cavaco, violão 6 cordas e voz) e o músico convidado Marcos Filgueiras (cavaco), fizeram uma pausa no ensaio para sentar ao ar livre e conversar sem pressa sobre os trabalhos, os encontros, o samba e como a cidade recebe tudo isso.

A casinha nos fundos do quintal tem grama na frente e algumas árvores plantadas lado a lado, ocupando boa parte do pequeno espaço de terreno. O espaço é o refúgio artístico do grupo. É onde, ultimamente, eles têm ocupado o tempo ensaiando para o show que vai ocupar o palco de um teatro, uma experiência nova. "Este é um show de composições. Estamos nos preparado fazendo outros arranjos para as músicas serem apresentadas no teatro", conta Roseane.

A relação diferente que esse espaço sugere está sendo um grande motivador para eles. "No teatro, as pessoas ficam com os ouvidos mais atentos", destaca Gustavo, Rose completa: "É a hora da gente ver como funcionam os detalhes das músicas, que muitas vezes passam batido na noite". Em agosto, mês de aniversário, o grupo ainda vai ganhar um outro presente: a abertura do show da primeira dama do samba, D. Ivone Lara.

A pesquisa do grupo começou voltada para a escolha do repertório e interpretação de sambas e batuques, dos sotaques musicais, do jeito de cantar e tocar dos sambistas do recôncavo baiano, dos partideiros cariocas e dos jongueiros do sudeste paulista. Depois, mergulhou no universo do samba de raiz, e hoje há quem defina-o como um "samba diferente".

De papo em papo, vamos descobrindo que o trabalho do Serenô é um agrupamento das distintas formações e das preferências musicais de cada artista. "É isso que a gente empresta pro grupo quando todos se reúnem", diz Rose. Juntos, eles não fazem somente um "samba de raiz", mas um samba "da árvore inteira", continua a representante feminina do grupo. "Temos consciência de que fazemos algo amplo, que não se fechou. Pegamos samba de roda, partido, samba de terreiro e jogamos um pouco de forró, uma milonga. É difícil rotular, tocamos o samba que a gente se identifica".

Muitas pessoas que se identificam com a música do grupo rumam todas as noites de sábado para a Sociedade 13 de Maio, onde os shows do Serenô acontecem há mais de um ano. O repertório para a noite curitibana é mais abrangente: abarca o popular de Zeca Pagodinho, visita as tradicionais composições de domínio público até chegar aos grandes compositores, como Roque Ferreira. "Ele é uma das melhores coisas que temos atualmente", realça a cantora.

Pouca gente sabe, mas o nome do músico está presente em muitos discos dos maiores sambistas brasileiros. Desde 1979, quando foi lançado por Clara Nunes no LP Esperança, até os mais recentes discos de Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Elton Medeiros, Martinho da Vila e Beth Carvalho.

Com o Roque, o Serenô mantém uma parceria amigável. Eles não escondem a admiração pelo artista, cuja generosidade tornou-se evidente quando ele cedeu uma música para o grupo. Hoje, Chuva fina faz parte do repertório dos shows e está na boca das matildes.

A relação que eles mantém com o espaço da Sociedade é de total envolvimento: com o restante da equipe, eles chegam antes das portas abrirem para preparar o salão e são os últimos a sair. "Tem uma energia que magnetiza as pessoas, faz a coisa acontecer e vemos esse reflexo em quem vai lá. É um encontro para festejar, para agradecer".

Que Curitiba não é o berço do samba não é segredo pra ninguém, mas isso não impossibilita a produção musical do gênero por aqui. É um rumo que está sendo percorrido e vai construindo uma identidade musical do samba na cidade. "Ele está acontecendo aqui agora, então, de certa forma, é uma propriedade nossa também", justifica Gustavo. "Acho que desse jeito a gente vai percorrendo esse caminho em Curitiba, onde as pessoas dizem que não tem samba, mas é mentira", arremata Rose.

FOTO: Ciciro Back

domingo, 18 de julho de 2010

O SOM DA CIDADE


Sim, nós temos rock. Mas também abraçamos o samba, o choro e a MPB com o mesma afetuosidade com que recebemos a música celta, experimental e nordestina. Uma amostra de toda essa diversidade musical gerada em Curitiba é o que oferece o projeto O som da cidade, que acontece até outubro no SESC da Esquina.

A quarta edição do projeto começou no mês passado com o espetáculo Música dos povos, do Grupo Omundô. A pesquisa em sonoridades étnicas caiu bem para abrir o festival que reúne em um mesmo palco vértices opostos musicalmente, mas que se completam para formar o abrangente cenário proposto pelo projeto. O apanhado de estilos culminará em um grande espetáculo ao ar livre, em dezembro, com a participação de vários grupos e artistas.

Além do Omundô, já deram o ar da graça o Combinado Silva Só e Gente Boa de Melhor Qualidade com O dono da Maloca - Adoniran 100 anos e a música celta da banda Thunder Kelt. Para dar uma pitada de rock ao eclético panorama, a banda Mordida sobe ao palco hoje.

O grupo formado por Paulo Hde Nadal (voz e guitarra), Luiz Bodachne (guitarra), Zé Ivan (baixo) e Ivan Rodrigues (bateria) é considerado um dos projetos autorais mais promissores da cidade. Desde 2003, ano da sua fundação, a banda já passou por algumas mudanças de formação, mas o foco permaneceu intacto.

Quando perguntados sobre como definiriam o som feito por eles, os integrantes respondem em uníssono: é rock para dançar. A resposta sai sem dificuldades, mas não é fácil definir o som feito por eles. Talvez o resultado de vários ingredientes misturados em um liquidificador ou "Roberto Carlos-doido-moderno, brega suspirante, vovó na Rave", como eles definem graciosamente no site da banda.

Mas explicar, neste caso, é o que menos importa. Quem for ao show poderá sentir no corpo as vibrações e ter as reações que a música deles suscita. Pensado especialmente para o projeto, o show Mordida em concerto faz um apanhado da trajetória de sete anos e mostra em primeira mão as quatro músicas (duas inéditas) que farão parte do primeiro disco.

"Este é um show especial. Vamos inserir alguns elementos novos como uma prévia do disco que está por vir", adianta Paulo Hde Nadal. O nome do álbum ainda é "segredo de estado", mas a previsão é que o lançamento ocorra ainda este ano. "Por enquanto estamos finalizando os instrumentais", completa Zé Ivan. Já que a ideia é primar pela qualidade, propositalmente os músicos não agendaram uma data para evitar pressões para concluir o trabalho.

Em sua discografia, o Mordida tem seis Ep's: Mordida, A grande garagem que grava apresenta Mordida, Tokyo, Festa jovem, Eu amo vc e Trama singles. A banda também participou de duas coletâneas: Tributo ao kinks (2006), produzido pelo guitarrista fundador da banda, Dave Davies; e Tributo ao álbum branco, produzido pelo jornalista Marcelo Froes em 2008.

A eclética programação é o grande trunfo do O som da cidade, uma oportunidade única de ver em um mesmo palco o pop/rock das bandas Mordida, Lívia e os Piá de Prédio, Ruído/mm e Punkake e o choro de Daniel Migliavacca. Ou a música experimental e erudita de Ângelo Esmanhotto com o samba e a MPB do grupo Serenô, Gil Bandeira, Thiago Chaves, Banda Sincopé e Espinho na Roseira. Ainda passam pelo teatro o Grupo Rosa Flô e a diversidade de estilos que marca a Banda Gentileza.

Tocar em um teatro é a primeira experiência para muitas das bandas que foram selecionadas para o projeto, como sublinha Kenni Rogers, produtor cultural do Sistema Fecomércio -Sesc/Senac. "O projeto é uma oportunidade de qualificação para grupos apresentaram espetáculos dentro de um teatro, que é outro produto. Eles deixam o show preparar um espetáculo musical, que exige cuidados diferenciados com figurino e cenário, por exemplo".

Ivan Rodrigues, baterista do Mordida, sente que tocar no espaço do teatro abre espaço para outras possibilidades de repertório, já que "na balada é outro tipo de espetáculo". "É uma seleção de som eclético, onde todos os segmentos da música feita aqui estão representados. Isso é fantástico".

Rogers aponta que o projeto vêm ganhando novas proporções a cada ano, alavancado pela grande procura dos músicos. Nesta quarta edição se inscreveram 75 bandas e foram selecionadas 18, superando as expectativas dos organizadores. "O principal critério para a seleção é a qualidade musical e artística e a novidade nas propostas. O tempo de carreira não interfere na escolha".

Proveitoso não somente para as bandas, o projeto é uma boa oportunidade de ver grupos das mais diversas vertentes reunidos em um só local com um ingresso a preço baixo: R$ 5 e R$ 10. É bom lembrar que para garantir um lugar é mais seguro comprar com antecedência.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

CURITIBA EM QUADRINHOS


Há 28 anos, foi inaugurada em Curitiba a primeira Gibiteca do Brasil. Sete anos depois, abria as portas uma das pioneiras lojas do País especializada em HQs, a Itiban Comics Shop. A primeira, com cursos, exposições e títulos para leitura e a segunda com eventos de lançamento e disponibilizando exemplares do mundo todo. Juntos, os espaços impulsionaram a produção e traçaram o panorama dos quadrinhos na cidade.

Mesmo antes de entrar percebemos que a estética do lugar se afina com o aspecto dos quadrinhos. Na fachada da Itiban Comics Shop, uma pintura de Jorge Torres Galvão indica que ali se pensa em arte. Logo que colocamos os pés lá dentro, na Avenida Silva Jardim, imergimos em um universo que tem no desenho a sua principal fonte de inspiração.

O casal Chico Utrabo e Mitie Taketani abriu a loja há 20 anos, em uma época em que a produção de quadrinhos aumentava e, consequentemente, começavam a surgir pessoas interessadas em conhecer um pouco mais sobre as HQs.Foi justamente da dificuldade em ter acesso à produção que apareceu a vontade de ter uma atividade que unisse entusiasmo com alternativa de sustento. De outubro de 1989 - quando as portas se abriram pela primeira vez - até julho de 2010, muita coisa mudou.

O mercado de quadrinhos se profissionalizou ainda mais com o surgimento de diversas vertentes de produção, o diálogo mais próximo com o cinema e a explosão do consumo. Mas, ao mesmo tempo, Chico e Mitie se sentiam em parte ameaçados pela facilidade em encontrar facilmente na internet os mesmos produtos que tinham na loja.

"Hoje existem muitas ferramentas na internet. Sentimos essa concorrência, mas nada se compara a folhear um livro nas mãos, gera uma sensação de bem-estar incomparável", destaca Chico.

Quando falamos em quadrinhos, estamos falando também do suporte onde ele está impresso, da textura do papel, da sutileza dos traços e cores dos desenhos. "Não se compara ao IPAD ou a uma tela de computador", destaca Chico, que também é músico, e dá grande valor ao aspecto sensorial que o virtual não pode trazer. "Estamos quase materializando o virtual, mas pra gente [dos quadrinhos] a mídia é desenhada e tem uma história por trás disso".

A procura na loja é grande. Várias vezes, tivemos que interromper a entrevista para Chico atender aos clientes: crianças, adolescentes e adultos. Ele conta que a freguesia é eclética "dos 8 aos 80", em meio a admiradores e colecionadores de quadrinhos. "Tenho um cliente que é arquiteto e construiu uma casa com uma forma de ventilação e entrada de luz de acordo com cada estação do ano. Tudo para preservar a coleção". Chico lembra que ainda teve outro que comprou um segundo apartamento para abrigar o enorme acervo de HQs.

Gibiteca

A Gibiteca do Solar do Barão, no centro, também conserva uma grande coleção que chega perto de 50 mil títulos de todos os gêneros. Desde 1982, ano em que foi criado, o local oferece, além de empréstimos e consultas de HQs, oficinas de criação, exposições, palestras, lançamentos e encontros de RPG.

O lugar é dividido por sessões (heróis, infantis, humor, terror, cartuns, séries, nacionais, mangá, estrangeiros, livros de RPG e antigos) e ainda guarda exemplares da produção de artistas da cidade, como José Aguiar e Carlos Magno.

O quadrinista José Aguiar é formado em artes plásticas pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e foi impulsionado para a carreira profissional depois de fazer cursos na Gibiteca. Zé Aguiar, como é conhecido pelos amigos, também deu aulas no lugar e reconhece a importância de um espaço como esse.

"Além dos interessados em frequentar os cursos, há o público que freqüenta para ter acesso aos materiais. Eles tem um arquivo maravilhoso para pesquisa. Lá é um ponto focal e tem uma tradição como ponto de referência".

Grandes quadrinistas

Como Carlos Magno, Aguiar foi influenciado desde a infância por histórias em quadrinhos do Batman, Hulk e Homem Aranha. Com o tempo, veio a vontade de produzir as suas próprias histórias e, aos 16 anos, começou a fazer tirinhas para jornais com o personagem O Boi.

Hoje, ele desenha para editoras, livros e revistas e, nas últimas décadas, tem trabalhado no mercado internacional. Na França, participou da coletânea Flying Doctors - Un jour de mai e ilustrou dois álbuns da série de aventura Ernie Adams, publicados por Editions Paquet.

O artista, que gosta de misturar diferentes estilos, aplicou a linguagem multifacetada dos quadrinhos em projetos envolvendo teatro e cinema. Aguiar desenvolveu o projeto gráfico do personagem Artie, do espetáculo Graphic e, junto com o quadrinista DW, fez as ilustrações do filme Morgue Story - Sangue, baiacu e quadrinhos, dirigido por Paulo Biscaia.

O trabalho ainda vai se desdobrar em dois álbuns de histórias em quadrinhos que serão distribuídos para livrarias de todo o Brasil, chamados Vigor Mortis comics, projeto aprovado através do Edital de Mecenato Municipal.

"Pegamos os personagens principais e criamos peças novas para quadrinhos, que será lançado no segundo semestre. Foi um processo muito bacana". O quadrinista Carlos Magno, outro expoente do gênero, mora em São José dos Pinhais e trabalha com as principais editoras do mundo.

A trajetória do artista foi inversa, já que ele começou a carreira na DC Comics, onde fez o Jonah Hex. Depois, trabalhou com a gigante Marvel Comics, desenhando O incrível Hulk, Surfista prateado e Capitão Universo.

O artista também esteve em editoras menores, como Boom Comics, Avatar e Moonstone, onde trabalhou com O fantasma e Sherlock Holmes. O último trabalho, Transformers - Nefarious, da norte-americana IDW Publishing, foi lançado no final de junho.

O termo "arte sequencial" (sequential art) foi criado pelo quadrinista americano Will Eisner para definir "o arranjo de fotos ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma ideia".

Um aspecto que não pode faltar para um quadrinista, diz Magno, é o domínio da linguagem narrativa, essencial para um bom trabalho. "A principal missão do quadrinho é passar a mensagem da história através do desenho, sem necessariamente precisar ler o texto".

por PAULA MELECH
foto DANIEL CARON
publicada no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Para uma construção da memória


O episódio ocorreu em abril de 2005, no Reino Unido. Andreas Grassl tinha 20 anos quando foi encontrado encharcado dentro de um terno preto e uma camisa de traje a rigor. Mostrava-se bastante assustado e sem nenhuma memória. Não pronunciou uma única palavra durante quatro meses, mas revelou-se um grande pianista. O fato foi o ponto de partida para a concepção de Homem Piano - uma instalação para a memória, novo trabalho da CiaSenhas de Teatro, que estreia no próximo dia 8.

O trabalho, designado como performance ou a busca da representação para além dos limites convencionais, incorpora a realidade de um homem prisioneiro do seu próprio corpo e dos lugares. Para a montagem idealizada coletivamente, o ator Luiz Bertazzo e a diretora Sueli Araújo (que também assina a dramaturgia) buscaram sobretudo uma outra relação com o público, agora não mais visto como a habitual plateia apenas observadora e silenciosa.

A montagem - a ser vista às 16h, 18h ou 20h - expõe ângulos de um personagem desprovido de lembranças que compartilha suas emoções, dúvidas e impressões partindo da não-existência de ideias e imagens passadas. É ele que nos recebe na calçada em frente ao espaço da CiaSenhas, na rua São Francisco, e propõe um compartilhamento de memórias.

Para entrar em sintonia com o meio, somos convidados a escrever em um pequeno pedaço de papel uma lembrança que gostaríamos de esquecer: uma palavra, uma atitude, uma data, um lugar. Assim, acompanhamos o ritual do esquecimento durante o percurso de deslocamento pelos três andares, cujas salas foram despidas de qualquer arranjo cenográfico que não se fizesse essencial ao trabalho. "Fomos tirando tudo e o espaço foi se mostrando", conta Sueli.

A mala carregada pelo personagem é a metáfora para indicar o viajante sem lugar, que não tem ponto de chegada nem de partida. O trajeto no espaço chamado de "lembrança" passa por ambientes onde o branco predomina em uma estética "crua" que atrai o espectador para os pequenos detalhes. "Queríamos transformar o espaço em potência, entender o que ele diz para nós. É um exercício de desprendimento, tem que pensar tudo em uma outra perspectiva", diz Sueli.

Em uma das salas, há somente sutis divisórias de fitas de papel fixadas em locais sugeridos pela própria arquitetura do prédio. "Os papéis colados com fita crepe sugerem menos um significado e mais uma sensação, que é a de fragilidade". A diretora acrescenta mais um motivo para uma cena na qual o ator escreve com giz branco na parede da mesma cor: "queríamos poder decidir se as palavras iam ser vistas ou não".

Processo

A pesquisa teve inicio em 2008 para o projeto Narrativas Urbanas - interferências e contaminações, um exercício prático de criação compartilhada em que os artistas observam a paisagem urbana, se deixam contaminar por ela e criam cenas-depoimentos a partir de fatos veiculados pela mídia. A historia do Homem Piano acabou se desdobrando nos primeiros impulsos criativos do projeto de pesquisa cênica.

Na primeira ação da pesquisa, Luiz esteve em vários pontos da região central de Curitiba para "colher" memórias. "Homem sem memória aceita memórias alheias. Colabore", dizia a placa instalada junto ao ator. Convidadas a contar algo sobre suas vidas, muitas pessoas foram colaboradoras indiretas da montagem.

"Queria ir pra rua. Saber se a idéia de memória suscitava dúvidas e tinha empatia com o público. Isso ajudou a construir um corpo, trouxe referência do que as pessoas sentem", lembra o ator.

O fato real ficcionalizado como uma narrativa que se alicerça na relação com o intérprete é compartilhado com o outro, que se torna parte da experiência proposta pela dramaturgia. "Gosto bastante da possibilidade de pessoas que vêm de lugares diferentes se tornarem um mesmo corpo afetivo e coletivo", completa Sueli.

Esse corpo coletivo é que vai constituir a memória renovada e em permanente mutação do trabalho, que se coloca sempre aberto a interferências e contribuições. Ao priorizar somente o essencial, o aspecto sensorial chega ao espectador por meio do afeto. "Era necessário um lugar onde as pessoas tivessem sensações. Nada podia levar para outro lugar que não fosse o da experiência", sustenta a diretora.

Serviço

Homem Piano - uma instalação para a memória.

De 8 a 18 de julho (todos os dias exceto dia 14), às 16h, 18h e 20h. CiaSenhas de Teatro (Rua São Francisco, 35 - Centro). Entrada Franca - 20 lugares. Informações: (41) 3222-0355 / homempiano.blogspot.com.

matéria publicada no jornal O Estado do Paraná
foto Elenize Dezgeniski