sábado, 18 de dezembro de 2010

O bom momento da Mixtape


Os dois anos de estrada parecem mais tempo se nos depararmos com o amadurecimento musical da banda Mixtape. Afinal, é pouco para gravar um disco, O tormento do tempo, aparecer na programação da MTV e conquistar fãs ávidos por seguir a banda, uma das revelações do pop rock curitibano.

Aproveitando o bom momento, o duo formado por Pris Elias e Helen Negrão lança amanhã Eu uso, novo single em que exploram inquietações artísticas e sociais. As meninas estão em um período de transformação.

Depois da saída da baterista Renata Monteiro, Pris (vocal, guitarra e teclado) e Helen (baixo) decidiram continuar com a banda e incluir novas características. Vislumbrando o lançamento do segundo disco para o primeiro semestre de 2011, a dupla busca uma musicalidade bastante influenciada pelo eletrônico, o que dá uma roupagem mais pop ao trabalho, sem deixar de lado a essência rock'n'roll.

A sonoridade se une ao amadurecimento em relação às letras, que agora adquirem um aspecto mais crítico, mas também irônico. Este é o caso de Eu uso. "Percebemos que muitas pessoas querem usar somente o que está na moda, independente de existir ou não uma identificação com o tipo de roupa. É uma constatação de como muitas pessoas querem simplesmente se encaixar nos moldes impostos pela sociedade de consumo", explica Pris.

A forma com que a moda impõe maneiras não só em relação ao modo de vestir, mas de se comportar, está registrada também no videoclipe da música. A estréia foi no início deste mês no Acesso MTV com participação do duo ao vivo no programa e hoje integra a grade de programação da emissora.

Gravado no brechó Trapos de Luxo, o clipe ressalta a dependência criada por uma sociedade que não vende apenas produtos, mas principalmente sonhos e conceitos.A direção e produção é do coletivo de artistas Estúdio Rasputines. Anteriormente, a banda já fazia parte da programação da MTV com os clipes de Meu mundo e não sou você, canções registradas no primeiro disco.

A questão da moda, aliás, é um poderoso instrumento para as integrantes, que ainda mantém uma grife de roupas inspiradas na temática rock, a Vira o Disco. Buscando encontrar alternativas para as tradicionais camisetas pretas com figuras de bandas, as meninas se dedicam a elaborar estampas criativas que unem duas paixões: a música e o cinema.

Conscientes de que a internet hoje é talvez o principal meio de divulgar um trabalho, a Mixtape toma partido do mundo virtual para fazer a sua música se propagar. Prova de que a tática funciona são os 60 mil seguidores no Twitter e os mais de cinco mil acessos diários ao material da banda disponível on-line em sites como Fotolog, MySpace e Trama Virtual, além dos sites de relacionamento Facebook e Orkut.

Batizada por sugestão de Helen, a partir do nome dado às fitas K-7 de compilações comumente gravadas pelos jovens na década de 80, a Mixtape é definida por suas integrantes como uma síntese do espírito que movia essas coletâneas: uma reunião de influências musicais. Pris define: "A gente achou que o nome era perfeito para uma banda que nada mais é do que isso: uma combinação de tudo o que mais gostam as suas integrantes".

Serviço:

Mixtape - Show de lançamento do novo single e videoclipe Eu uso.
Amanhã, às 18h, no Era Só O Que Faltava (Avenida República Argentina, 1.334).
Ingressos: Antecipados -R$10,00 e R$15,00 (na hora) + 1 brinquedo novo que será doado ao Hospital Pequeno Príncipe.Ponto de Venda: Loja Nonsense (Shopping Estação - Piso Superior). Classificação etária: livre. Informações: (41) 3342-0826 / www.fotolog.com.br/bandamixtape.

Publicada originalmente no jornal O Estado do Paraná.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A arte também está nas ruas


É possível estar caminhando bem distraído pela Travessa da Lapa ou dirigir em meio ao engarrafamento contínuo da Rua Mariano Torres e jurar por alguns segundos que a rua não oferece outra coisa senão servir de passagem ao destino final. Mas basta descansar a mente para perceber algo que foge ao comportamento automático e abre outro olhar, mais atento, sobre a cidade. Inquietações e inconformismos estampados em graffitis, lambe-lambes e stencils fazem de muros e paredes suporte para uma arte urbana que converte a cidade em um museu a céu aberto.

É quase infinita a diversidade de imagens e mensagens que cobrem paredes, muros e o que mais possa abarcar um bocado de tinta. Uma frase em especial, estampada em um lambe-lambe, chamou a atenção da historiadora social Elisabeth Serafhim Prosser quando ela andava por uma rua do bairro São Francisco, em 2004: "É proibido calar catarses". "Essa é a essência da arte de rua. O que eles fazem é não calar tudo o que pensam e sentem", reflete.

Esse momento fez surgir a vontade de conhecer melhor o trabalho dos grafiteiros - ou artistas de rua. Seis anos de pesquisa se solidificaram no mais completo livro já escrito sobre a arte de rua da cidade: Graffiti Curitiba, lançado na última semana.

Depois de varar os domingos percorrendo os bairros aleatoriamente, Beth conversou com muitos artistas e conseguiu registrar 500 fotografias de muros, paredes, monumentos e prédios com intervenções de arte urbana. Posteriormente, as imagens foram classificadas em categorias, sendo os temas mais recorrentes o ambiente urbano e natural, e também protestos sobre política e sociabilidade.

À margem

As intervenções manifestadas pelos artistas no espaço urbano, explica a autora, usam a cidade como referência para expor os pensamentos de quem a habita. Consciente de que o preconceito ainda é grande, Beth acredita que ainda há muita falta de conhecimento sobre o assunto. "A gente não gosta do que não conhece. À medida que as pessoas forem conhecendo, as reações vão ser bem diferentes".

Para os que ainda pensam que graffiti pode ser confundido com vandalismo, a autora destaca que há uma diferença entre "estar à margem e ser marginalizado". "Esses artistas se colocam à margem do sistema de regras, o que querem é quebrar os padrões. Vandalismo é quebrar ônibus". O universo de expressão dos grafiteiros inclui as tags, mais conhecidas como pichação. Se os graffitis já enfrentam certa resistência, o picho então é geralmente visto simplesmente como sujeira. No livro, Beth exemplifica que a falta de interesse em "ver o que está escrito" é frequentemente questionada pela arte de rua por meio de frases como: "Você conhece a sua cidade?" ou "A arte que você odeia".

Há dez anos desenhando na cidade, o artista Paulo Auma abre o foco da discussão. "Na história da arte, muitas situações já causaram estranhamento". Ele cita a propriedade privada outro ponto fundamental quando se fala em resistência em aceitar o graffiti. Como um prédio pichado na Rua Mateus Leme, no Centro Cívico. A construção está vazia há algumas semanas e há pouco tempo apareceu com tags de cima a baixo. Paulo não condena a atitude, mas diz que essa é uma manifestação natural da metrópole, a de questionar através do graffiti, as questões da cidade. "Poucos movimentos tentam dizer que o espaço público também é seu e que pode ser ocupado. As tags chamaram a atenção para o descaso com o patrimônio que também é nosso, um prédio que estava abandonado e poderia ser útil para muitas pessoas que não tem onde dormir". Beth vê o picho como algo inofensivo, que chega, no máximo a ser uma "violência visual". "Não se trata de uma violência física, não fere realmente. Pode, sim, agredir na territorialidade, na relação da ordem e da limpeza".

Paulo conta que o graffiti começou como pichação e, aos poucos, foi incorporando outros elementos como a cor e os desenhos. Mas ele deixa claro que a intenção do grafiteiro quando faz uma tag não é chegar a um resultado "bonitinho", mas sim chamar a atenção para algo que está errado. Ele admite que a aversão a esse tipo de manifestação não tem uma resolução muito fácil. "Também não temos a intenção de esclarecer porque a sociedade não quer entender. Queremos mostrar que a rua é viva. O grafiteiro aprende a ter menos medo da cidade. Tudo depende de como você se relaciona com ela". Beth completa: "Eles se colocam à margem do sistema, o que querem é quebrar padrões. O objetivo é se divertir na transgressão".

foto DANIEL CARON
publicada no jornal O Estado do Paraná